quinta-feira, 6 de maio de 2010

Domingo VI da Páscoa, Ano C

LEITURA I Actos 15, 1-2.22-29

«O Espírito Santo e nós decidimos não vos impor mais nenhuma obrigação além destas que são necessárias»

Leitura dos Actos dos Apóstolos
Naqueles dias,
alguns homens que desceram da Judeia
ensinavam aos irmãos de Antioquia:
«Se não receberdes a circuncisão,
segundo a Lei de Moisés,
não podereis salvar-vos».
Isto provocou muita agitação e uma discussão intensa
que Paulo e Barnabé tiveram com eles.
Então decidiram que Paulo e Barnabé e mais alguns discípulos
subissem a Jerusalém
para tratarem dessa questão com os Apóstolos e os anciãos.
Os Apóstolos e os anciãos, de acordo com toda a Igreja,
decidiram escolher alguns irmãos
e mandá-los a Antioquia com Barnabé e Paulo.
Eram Judas, a quem chamavam Barsabás,
e Silas, homens de autoridade entre os irmãos.
Mandaram por eles esta carta:
«Os Apóstolos e os anciãos, irmãos vossos,
saúdam os irmãos de origem pagã
residentes em Antioquia, na Síria e na Cilícia.
Tendo sabido que, sem nossa autorização,
alguns dos nossos vos foram inquietar,
perturbando as vossas almas com as suas palavras,
resolvemos, de comum acordo,
escolher delegados para vo-los enviarmos
juntamente com os nossos queridos Barnabé e Paulo,
homens que expuseram a sua vida
pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Por isso vos mandamos Judas e Silas,
que vos transmitirão de viva voz as nossas decisões.
O Espírito Santo e nós
decidimos não vos impor mais nenhuma obrigação,
além destas que são indispensáveis:
abster-vos da carne imolada aos ídolos,
do sangue, das carnes sufocadas e das relações imorais.
Procedereis bem, evitando tudo isso. Adeus».
Palavra do Senhor.


LEITURA II Ap 21, 10-14.22-23

«Mostrou-me a cidade santa, que descia do Céu»

Leitura do Livro do Apocalipse
Um Anjo transportou-me em espírito
ao cimo de uma alta montanha
e mostrou-me a cidade santa de Jerusalém,
que descia do Céu, da presença de Deus,
resplandecente da glória de Deus.
O seu esplendor era como o de uma pedra preciosíssima,
como uma pedra de jaspe cristalino.
Tinha uma grande e alta muralha,
com doze portas e, junto delas, doze Anjos;
tinha também nomes gravados,
os nomes das doze tribos dos filhos de Israel:
três portas a nascente, três portas ao norte,
três portas ao sul e três portas a poente.
A muralha da cidade tinha na base doze reforços salientes
e neles doze nomes: os dos doze Apóstolos do Cordeiro.
Na cidade não vi nenhum templo,
porque o seu templo é o Senhor Deus omnipotente e o Cordeiro.
A cidade não precisa da luz do sol nem da lua,
porque a glória de Deus a ilumina
e a sua lâmpada é o Cordeiro.
Palavra do Senhor.


EVANGELHO Jo 14, 23-29

«O Espírito Santo vos recordará tudo o que Eu vos disse»

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos:
«Quem Me ama guardará a minha palavra
e meu Pai o amará;
Nós viremos a ele
e faremos nele a nossa morada.
Quem Me não ama não guarda a minha palavra.
Ora a palavra que ouvis não é minha,
mas do Pai que Me enviou.
Disse-vos estas coisas, estando ainda convosco.
Mas o Paráclito, o Espírito Santo,
que o Pai enviará em meu nome,
vos ensinará todas as coisas
e vos recordará tudo o que Eu vos disse.
Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz.
Não vo-la dou como a dá o mundo.
Não se perturbe nem se intimide o vosso coração.
Ouvistes que Eu vos disse:
Vou partir, mas voltarei para junto de vós.
Se Me amásseis,
ficaríeis contentes por Eu ir para o Pai,
porque o Pai é maior do que Eu.
Disse-vo-lo agora, antes de acontecer,
para que, quando acontecer, acrediteis»
Palavra da salvação.


Homilia Pe. Antoine Coelho, LC
Domingo VI da Páscoa


O Evangelho de São João, que nos oferece a liturgia do próximo domingo, é tão rico de temas e de pontos de vista que seria impossível abarcá-los todos de modo devido.

Há o tema da Palavra de Cristo, que o crente deve guardar no seu coração, a qual, para nós, hoje em dia, é a palavra da Sagrada Escritura e da Igreja. Dizia São Jerónimo que a ignorância das Escrituras significa ignorância de Cristo. Mas aqui São Jerónimo não se refere a um desconhecimento intelectual de Cristo. Antes que nada quer dizer não conhecê-lo no nosso coração. É importante recordar que a Palavra da Sagrada Escritura tem um poder especial, como nos ensina a Cartas aos Hebreus. É viva e eficaz. Tem o poder de tocar as fibras mais profundas do nosso ser e levá-lo a uma transformação. Claro está que a devemos ler com fé e com um atitude interior de abertura.

A palavra da Igreja não é também uma palavra qualquer. De facto, se não fosse a Igreja, não teriamos accesso à Palavra de Cristo. Os Evangelhos e todo o Novo Testamento foram escritos pela Igreja primitiva. E depois está esta promessa que nos dá muita segurança: “Mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos recordará tudo o que Eu vos disse”. Este versículo do Evangelho de hoje está dirigido à Igreja. As aplicações, as interpretações, as deducções que a Igreja vai fazendo ao longo do tempo gozam de uma assistência especial do Espírito Santo, para que não deixe de ensinar-nos a verdade sobre a fé e a moral. E é lógico que seja assim. Se Cristo é realmente Deus, então Ele pode pôr os meios necessários para que a sua Palavra, através da Igreja, não se deturpe. Quem defende que a mensagem de Cristo foi toda irremediavelmente adulterada por causa da Igreja, está negando, talvez sem o saber, o poder de Cristo e por isso a sua Divindade.

Depois, o Evangelho deste domingo apresenta o facto de que Deus mora no coração dos homens. “Quem me ama guardará a minha palavra e meu Pai o amará; nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada”. Para além de ser belíssima, é uma verdade de importantíssimas consequências. Quem vive em profundidade o que está aqui dito, não conhecerá a solidão na vida. Claro, poderão chegar momentos de solidão, de desamparo...mas serão sentimentos passajeiros, porque, de facto, Deus habita n’Ele e encontra os meios para fazer sentir a sua Presença. O celibato sacerdotal e dos religiosos seria impossível, se esta experiência da presença de Deus no nosso coração, não fosse palpável e real de algum modo.

Os psicólogos dizem que um dos maiores problemas das pessoas, hoje em dia, é a solidão. E podem estar casadas, ter a casa cheia de filhos...e, no entanto, ataca-as a solidão. Não será que devem voltar a experimentar esta profunda verdade? As pessoas mortais não podem apagar a nossa sede de companhia, precisamente porque são mortais, limitadas, finitas...Existe um espaço no centro do nosso ser que nunca poderão ocupar e que só está reservado a Deus. Se quisermos vencer a solidão, devemos desenvolver a oração. Com ela, crescerá o que podemos chamar “a vida no Espírito”, feita de iluminações da nossa mente por parte do Espírito Santo, de estados anímicos profundos que Ele suscita, de experiências inefáveis. É todo o mundo interior que se abre e que nos enraiza já, desde esta vida, na Vida Eterna e nos permite ver as coisas terrenas que passam com olhos novos. A esta luz entende-se o lema dos cartuxos: “Stat crux, dum volvitur orbis”, ou seja, “Mantém-se firme a cruz, enquanto o mundo dá voltas”.

Outra consequência do facto de que Deus mora em nós, é que somos seres sagrados. Quanta violência sofremos nas nossas relações familiares, de trabalho, sociais...Quanta manipulação no mundo da economia, do direito, da política...Isso está, sem dúvida, ligado a muitas causas, mas uma das mais importantes, na minha opinião consiste na banalização da sexualidade, reduzindo-a a um um bem de consumo. Com efeito, o problema com a sexualidade degradada, é que estamos a “consumir” uma outra pessoa, seja ela virtual ou real. Estamos a fazer dela um objeto. O resultado é obvio: modifica profundamente a nossa visão das pessoas. Obviamente, seremos incapazes de reconhecê-las como seres sagrados, templos onde Deus habita. E como não vai isso ter consequências desastrosos em todas as nossas relações dentro da sociedad? Temos voltar urgentemente a esta grande verdade. Somos moradas de Deus, somos “membros de Cristo”, como diz São Paulo.

Por fim, gostaria de falar de outro aspecto, apresentado por este Evangelho: a paz. “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como a dá o mundo. Não se perturbe nem se intimide o vosso coração”. Realmente, a experiência que mais me marcou depois da minha conversão dos 18-19 anos, foi a paz. Esta paz elevou a minha vida a um nivel que nunca teria sonhado antes. A paz, antes, era simplesmente um sentimento passageiro, fruto de objetivo alcançado ou da presença de uma pessoa amiga, ou de alguma experiência gratificante. Mas tudo aquilo voava em seguida e deixava de novo o lugar a um malestar interior difuso e cuja causa sempre atribuía a alguma coisa concreta, que eu já resolveria com um pouco de tempo. Mas apenas cortava a “cabeça do problema”, como se o meu adversário fosse uma hidra, sempre surgia algo novo que me perturbava, uma nova “cabeça”. Quando num momento de lucidez, dei-me conta que isso duraria toda a vida, então decidi mudar de caminho e buscar Deus, o Senhor da Paz que sempre me tinha chamado e que sempre desdenhara, porque existiam coisas mais importantes que Ele.

E com Deus veio a paz. Não como estado passajeiro, mas como realidade tão indestrutível como o próprio Deus, porque é Ele em pessoa a nossa Paz. Sim: a paz é ter Deus a morar no coração, e, por isso, estou convencido que somente o seguidor de Cristo a pode experimentar. Haverá ventos e ondas furiosas no seu caminho, dificuldades aparentemente intransponíveis, adversários perigosos...mas o que é isso comparado com esse Deus que constantemente murmura ao coração: “não se intimide o vosso coração, eu venci o mundo”?

Mas para viver isso temos de rezar. Bastante. Deus não se mantém em nós, ou melhor, não nos mantemos em Deus, se não fizermos ressoar de alguma forma a sua Palavra em nós, através de orações frequentes, que devem acompanhar o nosso dia. Não sempre é fácil rezar, não sempre é apetecível. Às vezes pode parecer que falamos a uma parede ou que as nossas palavras vão contra as nuvens e voltam. E depois existem mil excelentes desculpas para não rezar, existem mil coisas mais “importantes” que fazer.

Os efeitos da oração intensa, regular, generosa, que não olha todo o tempo para o relógio, não se vêm imediatamente. Então a tentação de pensar que “aquilo não funciona” são grandes. Mas quem perseverar, verá como há-de chegar um momento que a sua oração “romperá finalmente as nuvens”, verá como Deus o invadirá. Pouco a pouco Ele irá impregnando as suas mais mínimas reacções e desbordará com abundância para fazer-se presente na vida dos outros. E quando a oração faz-se em família os efeitos são multiplicados (“quando dois ou três se reunirem em Meu nome, Eu estarei no meio deles”).
Somos moradas de Deus, somos templos de Deus para sermos “visitados” pelos outros. Aí devem encontrar uma luz, que não conseguem descobrir em outros ámbitos de sua vida. Aproveitemos, pois, este tempo pascoal, em que continuamos a festejar a Resurreição, para pedir a Deus que renove os nossos corações e os dos nossos seres queridos pelo poder da Sua presença, que será tão viva quanto o será a nossa fé.


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