sexta-feira, 28 de maio de 2010

Domingo da Santíssima Trindade, Ano C

LEITURA I Prov 8, 22-31

Antes das origens da terra, já existia a Sabedoria

Leitura do Livro dos Provérbios
Eis o que diz a Sabedoria de Deus:
«O Senhor me criou como primícias da sua actividade,
antes das suas obras mais antigas.
Desde a eternidade fui formada,
desde o princípio, antes das origens da terra.
Antes de existirem os abismos e de brotarem as fontes das águas,
já eu tinha sido concebida.
Antes de se implantarem as montanhas e as colinas,
já eu tinha nascido;
ainda o Senhor não tinha feito a terra e os campos,
nem os primeiros elementos do mundo.
Quando Ele consolidava os céus,
eu estava presente;
quando traçava sobre o abismo a linha do horizonte,
quando condensava as nuvens nas alturas,
quando fortalecia as fontes dos abismos,
quando impunha ao mar os seus limites
para que as águas não ultrapassassem o seu termo,
quando lançava os fundamentos da terra,
eu estava a seu lado como arquitecto,
cheia de júbilo, dia após dia,
deleitando-me continuamente na sua presença.
Deleitava-me sobre a face da terra
e as minhas delícias eram estar com os filhos dos homens».
Palavra do Senhor.

LEITURA II Rom 5, 1-5

Para Deus, por Cristo, na caridade que recebemos do Espírito

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos
Irmãos:
Tendo sido justificados pela fé,
estamos em paz com Deus,
por Nosso Senhor Jesus Cristo,
pelo qual temos acesso, na fé,
a esta graça em que permanecemos e nos gloriamos,
apoiados na esperança da glória de Deus.
Mais ainda, gloriamo-nos nas nossas tribulações,
porque sabemos que a tribulação produz a constância,
a constância a virtude sólida,
a virtude sólida a esperança.
Ora a esperança não engana,
porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações
pelo Espírito Santo que nos foi dado.
Palavra do Senhor.

EVANGELHO Jo 16, 12-15

«Tudo o que o Pai tem é meu. O Espírito receberá do que é meu, para vo-lo anunciar»

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos:
«Tenho ainda muitas coisas para vos dizer,
mas não as podeis compreender agora.
Quando vier o Espírito da verdade,
Ele vos guiará para a verdade plena;
porque não falará de Si mesmo,
mas dirá tudo o que tiver ouvido
e vos anunciará o que está para vir.
Ele Me glorificará,
porque receberá do que é meu
e vo-lo anunciará.
Tudo o que o Pai tem é meu.
Por isso vos disse
que Ele receberá do que é meu
e vo-lo anunciará».
Palavra da salvação.


Homilia do Pe. Antoine Coelho, LC


Com algo de frequência, ouve-se dizer que o Mistério da Stma Trindade, que celebramos neste domingo, não interessa muito para a vida cristã de todos os dias. Três Pessoas e um só Deus; um Pai que desde sempre é Pai, um Filho que desde sempre é engendrado, um Espírito Santo que eternamente procede do Pai e do Filho; um Pai que em quanto Pessoa não é o Filho, mas que segundo a divindade coincide absolutamente com o Filho, pois são uma única substância...certamente, tudo isso é muito escuro para a nossa pobre mente humana, é muito longe da nossa experiência de todos os dias e das nossas prioridades práticas.

Neste sentido, não deveriamos calar-nos respetuosamente ante o Mistério de Deus, reconhecer com toda humildade e sensatez que não podemos conhecer Deus, precisamente porque é Deus? Para além de ser uma empresa fútil, não será um pecado de soberba querer investigar e conhecer a “vida interior” de Deus, a vida das Pessoas divinas e as suas relações?

A tudo isso devemos responder que não, mesmo se, evidentemente, temos de reconhecer que, sendo Deus o Mistério por excelência, só o podemos conhecer nesta vida de modo muito limitado. Mas ao mesmo tempo, devemos apressar-nos a dizer que foi Deus mesmo a querer revelar-nos o Mistério íntimo da sua Vida trinatária.

Podemos constatá-lo nas leituras deste domingo. São Paulo, na segunda leitura, nos assegura que “estamos em paz com Deus [Deus aquí quer dizer “Deus Pai”] por Nosso Senhor Jesus Cristo”. E depois Paulo continua dizendo que “a esperanza não engana, porque o amor de Deus [Deus Pai] foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado”. Num parrágrafo, são Paulo mencionou a Trinidade e o papel que cada uma das Pessoas desempenhou na nossa salvação. Ora sabemos que este homem não era um teórico, um homem amigo de especulações filosóficas. O seu interesse nas cartas era sobretudo práctico, ou seja, ajudar os cristãos à altura da sua missão. Se ele menciona o Mistério trinitario era por ser convencido de sua importância para a vida dos crentes. De facto a Vida Trinitária é fundamental, pois para isso veio Cristo: para salvar-nos e para introduzir-nos na Vida Interior das Pessoas divinas.

São João, no Evangelho, citando Cristo, é ainda mais explícito: O Espírito Santo “me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará. Tudo o que o Pai tem é meu. Por isso, vos disse que Ele receberá do que é meu e vo-lo anunciará”. Como é que Cristo pode dizer que “tudo o que o Pai tem é meu”? Só se ele mesmo for Deus, pode dizer isso. No Evangelho de Mateus, Cristo chega a dizer que ninguém conhece o Pai se não o Filho e que ninguém conhece o Filho senão o Pai. Mas quem pode conhecer Deus? Só Deus pode conhecer Deus.

Mas voltemos à pergunta inicial, para completar a resposta: porquê Deus quis revelar-nos a sua vida íntima, ou seja, a comunidade das Três Pessoas divinas? Não é pouca coisa...dar a conhecer o seu coração, é tornar-se vulnerável. Não revelamos a nossa intimidade, senão a pessoas da mais alta confiança, porque dar o seu coração a alguém é expor-se a grandes sofrimentos se esta pessoa usar mal os conhecimentos que lhe demos ou então se ela nos tratar com indiferença. Como é diverso ser desprezado por um desconhecido e ser tratado mal por um amigo que nos conhece por dentro e por fora! Porquê Deus toma este risco de revelar-nos o seu interior e de expor-se à indiferença de seres tão irresponsáveis como nós? Radicalizemos ainda mais a questão com esta observação: como sacerdote, posso celebrar a Missa e transformar o pão e o vinho no Corpo e Sangue de Cristo de forma muito indigna, se quiser, até mesmo dentro de um ritual satánico, por exemplo. E nem o Papa pode retirar-me este poder...Porquê Deus expõe-se a tudo isso?

A resposta é só uma: por amor. Deus dá-se para salvar-nos. Poderia não fazê-lo, mas Ele é amor. Então Deus revela-nos a sua Vida interior, não se fecha aos nossos olhares, porque é amor. E por isso é tão importante o conhecimento das três Pessoas da Trindade. Porque isso revela-nos o que significa o amor. Mas não só isso: revela-nos que o amor é tudo.

Tudo o que o Pai tem, dá ao Filho, tudo o que Filho tem dá ao Pai. Isso é o amor! Mas não só, esse dar-se um ao outro é fecundo e desta fecundidade surge o Espírito Santo. Por isso, por exemplo, a anticoncepção nunca poderá ser cristã. O amor na sua essência, o amor tal como o vemos em Deus é fecundo e, se não o for, torna-se pouco a pouco egoísta, pois pode ser tão egoísta o “amor privado” a dois, como o puro amor do individuo a si mesmo. Como vemos, é muito importante mirarmos Deus, para sabermos, até nas coisas mais práticas, como devemos viver o amor, pois somos imagem de Deus, imitadores d’Ele.

Por outro lado, se Deus é Trindade e, por isso, comunidade de amor, então o amor é tudo. As outras religiões nunca o poderão entender como nós. Porque o divino, nelas, é solitário, não pode ser qualificado de amor. “Mas e o politeísmo”? podem perguntar. Os deuses do Olimpo e de qualquer “Olimpo”, são no fundo seres bastante solitários, centrados cada um em si mesmo. Enquanto que, em Deus, no Deus cristão, cada Pessoa dá tudo às outras. A partilha chega a tal radicalidade que não são três deuses, três individuos separados, mas um só. Por isso, também, o amor entre os homens, como imitação do divino, nunca será demasiado radical, nunca ninguém de nós poderá sentar-se satisfeito e dizer “basta já dei suficientemente aos outros”.

A radicalidade da nossa vida cristã é tal que só se pode viver no abandono a Deus, numa confiança total n’Ele. Sim, o amor que Deus nos pede é absolutamente superior a todas as nossas forças. Mostra-o suficientemente a repugnância de grande parte do mundo cristão para seguir integramente os ensimentos da nossa fé sobre a sexualidade, por exemplo. Para sermos realmente cristãos, devemos entrar no mundo sobrenatural da fé, da oração frequente e do abandono a Deus, devemos renascer completamente como criaturas novas, com uma mudança profunda da nossa psicologia, mentalidade, esperanças, etc. O caminho é arduo, mas posso dizer-lhes que os resultados são esplêndidos. A nova vida que Deus quer dar-nos já aqui eclipa por completo as aspirações e satisfações mundanas. E não poderia ser de outra forma: Deus é Deus, só Ele tem a chave da vida.

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