sexta-feira, 28 de maio de 2010

Domingo da Santíssima Trindade, Ano C

LEITURA I Prov 8, 22-31

Antes das origens da terra, já existia a Sabedoria

Leitura do Livro dos Provérbios
Eis o que diz a Sabedoria de Deus:
«O Senhor me criou como primícias da sua actividade,
antes das suas obras mais antigas.
Desde a eternidade fui formada,
desde o princípio, antes das origens da terra.
Antes de existirem os abismos e de brotarem as fontes das águas,
já eu tinha sido concebida.
Antes de se implantarem as montanhas e as colinas,
já eu tinha nascido;
ainda o Senhor não tinha feito a terra e os campos,
nem os primeiros elementos do mundo.
Quando Ele consolidava os céus,
eu estava presente;
quando traçava sobre o abismo a linha do horizonte,
quando condensava as nuvens nas alturas,
quando fortalecia as fontes dos abismos,
quando impunha ao mar os seus limites
para que as águas não ultrapassassem o seu termo,
quando lançava os fundamentos da terra,
eu estava a seu lado como arquitecto,
cheia de júbilo, dia após dia,
deleitando-me continuamente na sua presença.
Deleitava-me sobre a face da terra
e as minhas delícias eram estar com os filhos dos homens».
Palavra do Senhor.

LEITURA II Rom 5, 1-5

Para Deus, por Cristo, na caridade que recebemos do Espírito

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos
Irmãos:
Tendo sido justificados pela fé,
estamos em paz com Deus,
por Nosso Senhor Jesus Cristo,
pelo qual temos acesso, na fé,
a esta graça em que permanecemos e nos gloriamos,
apoiados na esperança da glória de Deus.
Mais ainda, gloriamo-nos nas nossas tribulações,
porque sabemos que a tribulação produz a constância,
a constância a virtude sólida,
a virtude sólida a esperança.
Ora a esperança não engana,
porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações
pelo Espírito Santo que nos foi dado.
Palavra do Senhor.

EVANGELHO Jo 16, 12-15

«Tudo o que o Pai tem é meu. O Espírito receberá do que é meu, para vo-lo anunciar»

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos:
«Tenho ainda muitas coisas para vos dizer,
mas não as podeis compreender agora.
Quando vier o Espírito da verdade,
Ele vos guiará para a verdade plena;
porque não falará de Si mesmo,
mas dirá tudo o que tiver ouvido
e vos anunciará o que está para vir.
Ele Me glorificará,
porque receberá do que é meu
e vo-lo anunciará.
Tudo o que o Pai tem é meu.
Por isso vos disse
que Ele receberá do que é meu
e vo-lo anunciará».
Palavra da salvação.


Homilia do Pe. Antoine Coelho, LC


Com algo de frequência, ouve-se dizer que o Mistério da Stma Trindade, que celebramos neste domingo, não interessa muito para a vida cristã de todos os dias. Três Pessoas e um só Deus; um Pai que desde sempre é Pai, um Filho que desde sempre é engendrado, um Espírito Santo que eternamente procede do Pai e do Filho; um Pai que em quanto Pessoa não é o Filho, mas que segundo a divindade coincide absolutamente com o Filho, pois são uma única substância...certamente, tudo isso é muito escuro para a nossa pobre mente humana, é muito longe da nossa experiência de todos os dias e das nossas prioridades práticas.

Neste sentido, não deveriamos calar-nos respetuosamente ante o Mistério de Deus, reconhecer com toda humildade e sensatez que não podemos conhecer Deus, precisamente porque é Deus? Para além de ser uma empresa fútil, não será um pecado de soberba querer investigar e conhecer a “vida interior” de Deus, a vida das Pessoas divinas e as suas relações?

A tudo isso devemos responder que não, mesmo se, evidentemente, temos de reconhecer que, sendo Deus o Mistério por excelência, só o podemos conhecer nesta vida de modo muito limitado. Mas ao mesmo tempo, devemos apressar-nos a dizer que foi Deus mesmo a querer revelar-nos o Mistério íntimo da sua Vida trinatária.

Podemos constatá-lo nas leituras deste domingo. São Paulo, na segunda leitura, nos assegura que “estamos em paz com Deus [Deus aquí quer dizer “Deus Pai”] por Nosso Senhor Jesus Cristo”. E depois Paulo continua dizendo que “a esperanza não engana, porque o amor de Deus [Deus Pai] foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado”. Num parrágrafo, são Paulo mencionou a Trinidade e o papel que cada uma das Pessoas desempenhou na nossa salvação. Ora sabemos que este homem não era um teórico, um homem amigo de especulações filosóficas. O seu interesse nas cartas era sobretudo práctico, ou seja, ajudar os cristãos à altura da sua missão. Se ele menciona o Mistério trinitario era por ser convencido de sua importância para a vida dos crentes. De facto a Vida Trinitária é fundamental, pois para isso veio Cristo: para salvar-nos e para introduzir-nos na Vida Interior das Pessoas divinas.

São João, no Evangelho, citando Cristo, é ainda mais explícito: O Espírito Santo “me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará. Tudo o que o Pai tem é meu. Por isso, vos disse que Ele receberá do que é meu e vo-lo anunciará”. Como é que Cristo pode dizer que “tudo o que o Pai tem é meu”? Só se ele mesmo for Deus, pode dizer isso. No Evangelho de Mateus, Cristo chega a dizer que ninguém conhece o Pai se não o Filho e que ninguém conhece o Filho senão o Pai. Mas quem pode conhecer Deus? Só Deus pode conhecer Deus.

Mas voltemos à pergunta inicial, para completar a resposta: porquê Deus quis revelar-nos a sua vida íntima, ou seja, a comunidade das Três Pessoas divinas? Não é pouca coisa...dar a conhecer o seu coração, é tornar-se vulnerável. Não revelamos a nossa intimidade, senão a pessoas da mais alta confiança, porque dar o seu coração a alguém é expor-se a grandes sofrimentos se esta pessoa usar mal os conhecimentos que lhe demos ou então se ela nos tratar com indiferença. Como é diverso ser desprezado por um desconhecido e ser tratado mal por um amigo que nos conhece por dentro e por fora! Porquê Deus toma este risco de revelar-nos o seu interior e de expor-se à indiferença de seres tão irresponsáveis como nós? Radicalizemos ainda mais a questão com esta observação: como sacerdote, posso celebrar a Missa e transformar o pão e o vinho no Corpo e Sangue de Cristo de forma muito indigna, se quiser, até mesmo dentro de um ritual satánico, por exemplo. E nem o Papa pode retirar-me este poder...Porquê Deus expõe-se a tudo isso?

A resposta é só uma: por amor. Deus dá-se para salvar-nos. Poderia não fazê-lo, mas Ele é amor. Então Deus revela-nos a sua Vida interior, não se fecha aos nossos olhares, porque é amor. E por isso é tão importante o conhecimento das três Pessoas da Trindade. Porque isso revela-nos o que significa o amor. Mas não só isso: revela-nos que o amor é tudo.

Tudo o que o Pai tem, dá ao Filho, tudo o que Filho tem dá ao Pai. Isso é o amor! Mas não só, esse dar-se um ao outro é fecundo e desta fecundidade surge o Espírito Santo. Por isso, por exemplo, a anticoncepção nunca poderá ser cristã. O amor na sua essência, o amor tal como o vemos em Deus é fecundo e, se não o for, torna-se pouco a pouco egoísta, pois pode ser tão egoísta o “amor privado” a dois, como o puro amor do individuo a si mesmo. Como vemos, é muito importante mirarmos Deus, para sabermos, até nas coisas mais práticas, como devemos viver o amor, pois somos imagem de Deus, imitadores d’Ele.

Por outro lado, se Deus é Trindade e, por isso, comunidade de amor, então o amor é tudo. As outras religiões nunca o poderão entender como nós. Porque o divino, nelas, é solitário, não pode ser qualificado de amor. “Mas e o politeísmo”? podem perguntar. Os deuses do Olimpo e de qualquer “Olimpo”, são no fundo seres bastante solitários, centrados cada um em si mesmo. Enquanto que, em Deus, no Deus cristão, cada Pessoa dá tudo às outras. A partilha chega a tal radicalidade que não são três deuses, três individuos separados, mas um só. Por isso, também, o amor entre os homens, como imitação do divino, nunca será demasiado radical, nunca ninguém de nós poderá sentar-se satisfeito e dizer “basta já dei suficientemente aos outros”.

A radicalidade da nossa vida cristã é tal que só se pode viver no abandono a Deus, numa confiança total n’Ele. Sim, o amor que Deus nos pede é absolutamente superior a todas as nossas forças. Mostra-o suficientemente a repugnância de grande parte do mundo cristão para seguir integramente os ensimentos da nossa fé sobre a sexualidade, por exemplo. Para sermos realmente cristãos, devemos entrar no mundo sobrenatural da fé, da oração frequente e do abandono a Deus, devemos renascer completamente como criaturas novas, com uma mudança profunda da nossa psicologia, mentalidade, esperanças, etc. O caminho é arduo, mas posso dizer-lhes que os resultados são esplêndidos. A nova vida que Deus quer dar-nos já aqui eclipa por completo as aspirações e satisfações mundanas. E não poderia ser de outra forma: Deus é Deus, só Ele tem a chave da vida.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Domingo de Pentecostes, Ano C


LEITURA I Actos 2, 1-11

«Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar»

Leitura dos Actos dos Apóstolos
Quando chegou o dia de Pentecostes,
os Apóstolos estavam todos reunidos no mesmo lugar.
Subitamente, fez-se ouvir, vindo do Céu,
um rumor semelhante a forte rajada de vento,
que encheu toda a casa onde se encontravam.
Viram então aparecer uma espécie de línguas de fogo,
que se iam dividindo,
e poisou uma sobre cada um deles.
Todos ficaram cheios do Espírito Santo
e começaram a falar outras línguas,
conforme o Espírito lhes concedia que se exprimissem.
Residiam em Jerusalém judeus piedosos,
procedentes de todas as nações que há debaixo do céu.
Ao ouvir aquele ruído, a multidão reuniu-se
e ficou muito admirada,
pois cada qual os ouvia falar na sua própria língua.
Atónitos e maravilhados, diziam:
«Não são todos galileus os que estão a falar?
Então, como é que os ouve cada um de nós
falar na sua própria língua?
Partos, medos, elamitas,
habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia,
do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília,
do Egipto e das regiões da Líbia, vizinha de Cirene,
colonos de Roma, tanto judeus como prosélitos,
cretenses e árabes,
ouvimo-los proclamar nas nossas línguas
as maravilhas de Deus».
Palavra do Senhor.


LEITURA II 1 Cor 12, 3b-7.12-13

«Todos nós fomos baptizados num só Espírito, para formarmos um só Corpo»

Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios
Irmãos:
Ninguém pode dizer «Jesus é o Senhor»,
a não ser pela acção do Espírito Santo.
De facto, há diversidade de dons espirituais,
mas o Espírito é o mesmo.
Há diversidade de ministérios,
mas o Senhor é o mesmo.
Há diversas operações,
mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos.
Em cada um se manifestam os dons do Espírito
para o bem comum.
Assim como o corpo é um só e tem muitos membros,
e todos os membros, apesar de numerosos,
constituem um só corpo,
assim também sucede com Cristo.
Na verdade, todos nós
- judeus e gregos, escravos e homens livres -
fomos baptizados num só Espírito,
para constituirmos um só Corpo.
E a todos nos foi dado a beber um único Espírito.
Palavra do Senhor.


EVANGELHO Jo 20, 19-23

«Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós: Recebei o Espírito Santo»

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Na tarde daquele dia, o primeiro da semana,
estando fechadas as portas da casa
onde os discípulos se encontravam,
com medo dos judeus,
veio Jesus, colocou-Se no meio deles e disse-lhes:
«A paz esteja convosco».
Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado.
Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor.
Jesus disse-lhes de novo:
«A paz esteja convosco.
Assim como o Pai Me enviou,
também Eu vos envio a vós».
Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes:
«Recebei o Espírito Santo:
àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados;
e àqueles a quem os retiverdes serão retidos».
Palavra da salvação.


Homilia do Pe. Antoine Coelho, LC

Quem nunca teve a experiência de ser invadido com força pelo Espírito Santo dificilmente poderá entender o que experimentaram os Apóstolos no dia de Pentecostes. O que não foi conseguido depois de três anos com o Senhor, depois de serem testemunhas de Sua morte e Ressurreição, foi conseguido por este fogo divino que lhes encheu os corações, liberando-os do seu medo, dos bloqueios interiores e sobretudo de uma existência centrada sobre si mesmos.

Conta são Lucas que ouviram primeiro um rumor como uma forte rajada de vento, que encheu toda a casa, e depois viram línguas como de fogo, pousando-se sobre cada um deles. Invadiu-os uma alegria inimaginável e uma força ardente. Por momentos o céu inclinou-se para eles, dando-lhes a entender com mais nitidez o que significa viver em Deus.

Depois, sabemos o que ocorreu: “saturados” de Deus, sairam a anunciá-lo. Era quase mais forte que eles, como Jeremias, que até chegava a desejar não mais pronunciar oráculos de Iahweh, a causa da perseguição que padecia: “E eu dizia, “não voltarei a recordá-lo [Deus], nem já falarei em seu Nome”. Mas havia no meu coração algo parecido a um fogo ardente, aceso nos meus ossos, e ainda que eu tentasse afogá-lo, não podia”.

Depois de dois mil anos, esta experiência é ainda possível, ou pertence irremediavelmente aos tempos fundacionais da Igreja? É uma vivência que estamos condenados a contemplar, ou podemos também tomar parte dela? A minha experiência pessoal é esta: quem busca Pentecostes, encontrará Pentecostes e na medida em que o desejará.

Diversos elementos são necessários para que se produza esta experiência transformante, na qual Deus começa realmente a tomar as rédeas das nossas vidas, na qual sentimos que já deixamos de recolher nas nossas redes alguns peixes e que a pesca começa a ser miraculosa.

Em primeiro lugar, Cristo tem de ser realmente o centro das nossas vidas. O Espírito vem de Cristo. De facto, o Evangelho deste domingo mostra-nos claramente que Cristo sopra sobre os Apóstolos. É Ele também que lhes promete Pentecostes. Noto que, com certa frequência, podemos ter a impressão que damos o primeiro lugar a Deus, mas não sempre este sentimento é real. Inclusive pessoas que praticamente não pensam em Deus durante o dia, estão convencidos de que realmente lhe dão o primeiro lugar, simplesmente porque lhes parece que não fazem nada errado.

Então, como saber se Cristo é o nosso centro de gravidade? Normalmente quem ama a Cristo com todo o coração, dará uma clara prioridade à vida de oração durante o dia. “Mas não posso rezar enquanto trabalho!”, podemos objetar. Certamente não podemos sempre pensar em Deus quando trabalhamos, mas todo o nosso trabalho tem de ser uma oração, uma oferenda a Deus. Por outro lado, quem vive realmente da oração, buscará rezar o mais possível, viverá com este profundo desejo, porque entendeu que a oração é tão necessária à alma quanto o oxigênio ao corpo. Se pequenas orações não alimentam com frequência o nosso espírito, é muito fácil que os desejos e impulsos do mundo comecem a corroê-lo.

Se queremos que venha o Espírito com força divina transformadora, que nos leve onde as nossas forças humanas nunca poderão levantar-nos, não nos façamos ilusões, devemos seguir o exemplo dos apóstolos que nos dias imediatamente anteriores a Pentecostes “estavam continuamente no templo”, ou seja, e aplicando-o às nossas situações concretas, rezavam tudo o que podiam para que Ele viesse.

Há uma terceira condição fundamental, para além de colocar Cristo no centro da vida e de ter um hábito de oração realmente vigorosa: viver o abandono nas mãos de Deus. Ou seja, temos de começar a tomar seriamente em conta esta verdade evangélica: se nós nos ocuparmos das coisas de Deus, Ele se ocupará dos nossos problemas. Israel nunca foi a nenhum lado enquanto seguia o seu próprio juízo. A Bíblia não se cansa de repeti-lo.

Especialmente significativa neste sentido, é a guerra, narrada pela Bíblia, de Josafá contra um exército claramente superior de moabitas e amonitas. Quando os numerosos adversários estavam já aproximando-se da capital, o profeta recorda ao povo: “Prestai atenção, vós todos de Judá e habitantes de Jerusalém, e tu ó rei Josafá! Assim fala Iahweh: “não temais, não vos deixeis atemorizar diante desta imensa multidão; pois esta guerra não é vossa mas de Deus”. Então o próprio Josafá toma a palavra e exorta os seus súbditos: “Ouvi-me, Judá e habitantes de Jerusalém! Crede em Yahweh vosso Deus e estareis seguros; crede em seus profetas e sereis bem sucedidos”.

Mas Josafá não se limitou a proclamar a sua fé com os lábios. Abandonou-se completamente nas mãos de Deus, até ao ponto de designar cantores que marchariam diante dos guerreiros, louvando Yahweh. Ele era consciente de que o elemento decisivo para a vitória era a fé que se abandona nas mãos de Deus e a oração dos cantores. E, de facto, sem sequer terem necessidade de travar o combate, os inimigos tiveram que se retirar por uma providência especial de Deus. Assim vencem-se todas as batalhas no terreno espiritual, sabendo que o adversário é muito mais forte que nós, como nos recorda são Paulo: “Pois o nosso combate não é contra o sangue nem contra a carne, mas contra os Principados, contra as Autoridades, contra os Dominadores deste mundo de trevas, contra os Espíritos do Mal, que povoam as regiões celestiais. Por isso deveis vestir a armadura de Deus, para poderdes resistir no dia mau e sair firmes de todo combate”.

Quem se abandona nas mãos de Deus, faz um acto de fé extraordinário, mostra que realmente acredita que Deus é Deus, que Ele é um Pai bondoso, de confiança...E por isso o Espírito Santo derrama-se com abundância. Abandonar-se é fundamentalmente aceitar que Deus conduza a minha vida, aceitar que Ele tenha o volante da mesma. É um acto muito difícil, mas muito profundo e comprometedor, e por isso extraordinariamente potente do ponto de vista espiritual. É realmente difícil, é talvez até o que mais nos custa: retirar as nossas mãos que agarram tensamente o volante, deixando que o plano de Deus nos invada e guie os nossos passos. Então entra em plenitude a força de Deus, a nossa vida torna-se sobrenatural, as pessoas ao redor de nós começam a mudar, o poder de Deus vai espalhando-se sem limites porque finalmente Deus encontrou alguém em quem pode residir sem barreiras. Mas para chegar ao abandono e para abandonar-se cada dia, é preciso muita oração. Quem não vive imerso em Deus fatidicamente cairá na tentação de tomar de novo as rédeas, de sentir que tem a vida controlada, mais segura, porque ele mesmo a controla. Quando, na verdade, é exactamente o oposto que se produz.

Pensemos em Jonatá: ter-lhe-ia assaltado muitas vezes a tentação de pôr os guerreiros na frente de combate, de começar a actuar como se tudo dependesse dele. Ao fim de contas, nesta batalha estava em jogo a sua vida. Teve de rezar muito, de recordar muitas vezes que Deus é fiel, que Deus cumpre as suas promessas, que Deus existe realmente...

Esse é pois o caminho: que nada seja mais importante que Cristo, nada mais prioritário do que a oração e que a nossa vida seja um aceitar ser guiado por Cristo. A primeira comunidade cristã soube integrar muito bem estes elementos. Por isso Pentecostes foi realmente para ela uma revolução, uma força de irradiação que, logo na primeira pregação da história cristã, conseguiu 3 mil conversões!! Mas como dizíamos ao início, não o vejamos como um acontecimento exclusivo dos primeiros tempos. Seria um grave erro. “Farão obras maiores que as minhas”, diz Cristo no Evangelho. Isso aplica-se aos cristãos de todos os tempos, a todos os que querem lançar-se com seriedade e radicalidade na aventura cristã.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Domingo da Ascenção do Senhor, Ano C

Por indisponibilidade, não conseguimos ter a Homilia do Pe. Antoine Coelho, LC este Domingo atempadamente.

Pedimos desculpa a todos os nossos amigos por este inconveniente.

LEITURA I Actos 1, 1-11


«Elevou-Se à vista deles»
Leitura dos Actos dos Apóstolos
No meu primeiro livro, ó Teófilo,
narrei todas as coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar,
até ao dia em que foi elevado ao Céu,
depois de ter dado, pelo Espírito Santo,
as suas instruções aos Apóstolos que escolhera.
Foi também a eles que, depois da sua paixão,
Se apresentou vivo com muitas provas,
aparecendo-lhes durante quarenta dias
e falando-lhes do reino de Deus.
Um dia em que estava com eles à mesa,
mandou-lhes que não se afastassem de Jerusalém,
mas que esperassem a promessa do Pai,
«do Qual __ disse Ele __ Me ouvistes falar.
Na verdade, João baptizou com água;
vós, porém, sereis baptizados no Espírito Santo,
dentro de poucos dias».
Aqueles que se tinham reunido começaram a perguntar:
«Senhor, é agora que vais restaurar o reino de Israel?»
Ele respondeu-lhes:
«Não vos compete saber os tempos ou os momentos
que o Pai determinou com a sua autoridade;
mas recebereis a força do Espírito Santo,
que descerá sobre vós,
e sereis minhas testemunhas
em Jerusalém e em toda a Judeia e na Samaria
e até aos confins da terra».
Dito isto, elevou-Se à vista deles
e uma nuvem escondeu-O a seus olhos.
E estando de olhar fito no Céu, enquanto Jesus Se afastava,
apresentaram-se-lhes dois homens vestidos de branco,
que disseram:
«Homens da Galileia, porque estais a olhar para o Céu?
Esse Jesus, que do meio de vós foi elevado para o Céu,
virá do mesmo modo que O vistes ir para o Céu».
Palavra do Senhor.


LEITURA II Ef 1, 17-23


«Colocou-O à sua direita nos Céus»

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios
Irmãos:
O Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória,
vos conceda um espírito de sabedoria e de luz
para O conhecerdes plenamente
e ilumine os olhos do vosso coração,
para compreenderdes a esperança a que fostes chamados,
os tesouros de glória que encerra a sua herança entre os santos
e a incomensurável grandeza que representa o seu poder
para nós os crentes.
Assim o mostra a eficácia da poderosa força
que exerceu em Cristo,
que Ele ressuscitou dos mortos
e colocou à sua direita nos Céus,
acima de todo o Principado, Poder, Virtude e Soberania,
acima de todo o nome que é pronunciado, não só neste mundo,
mas também no mundo que há-de vir.
Tudo submeteu aos seus pés e pô-l’O acima de todas as coisas
como Cabeça de toda a Igreja, que é o seu Corpo,
a plenitude d’Aquele que preenche tudo em todos.
Palavra do Senhor.


EVANGELHO Lc 24, 46-53


«Enquanto os abençoava, foi elevado ao Céu»

Conclusão do santo Evangelho segundo São Lucas
Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos:
«Está escrito que o Messias havia de sofrer
e de ressuscitar dos mortos ao terceiro dia
e que havia de ser pregado em seu nome
o arrependimento e o perdão dos pecados
a todas as nações, começando por Jerusalém.
Vós sois testemunhas disso.
Eu vos enviarei Aquele que foi prometido por meu Pai.
Por isso, permanecei na cidade,
até que sejais revestidos com a força do alto».
Depois Jesus levou os discípulos até junto de Betânia
e, erguendo as mãos, abençoou-os.
Enquanto os abençoava,
afastou-Se deles e foi elevado ao Céu.
Eles prostraram-se diante de Jesus,
e depois voltaram para Jerusalém com grande alegria.
E estavam continuamente no templo, bendizendo a Deus.
Palavra da salvação.

Homilia do Pe. Antoine Coelho, LC

Caros amigos:


Felicitações pela visita do Papa a Portugal!! Deus quer muito de Portugal e por isso enviou o seu máximo representante. Deixo-lhes a homilia para o Domingo da Ascensão.

Um abraço em Cristo, Pe. Antoine, LC


No próximo domingo festejamos a Ascensão do Senhor, a qual representa o último acto da vida terrena de Cristo e das aparições. Agora, o Senhor somente aparecerá de forma pública no fim dos tempos.

No Evangelho de Lucas, apresenta-se este episódio com um pequeno resumo que faz Jesus Cristo dos acontecimentos mais significativos de sua vida e da nova época, que com Ele começa: “está escrito que o Mesías havia de sofrer e de ressuscitar dos mortos ao terceiro dia e que havia de ser pregado em seu nome o arrependimento e o perdão dos pecados a todas as nações. Vós sois testemunhas disso”.

“Está escrito”, com efeito, tudo isso. A última frase de Cristo aos apóstolos começa com esta constatação de grande importância: “está escrito”. E, de facto, para quem sabe ler o Antigo Testamento aí encontram-se estes elementos. A vida de Cristo foi toda ela um seguimento do plano traçado pelo Pai. Nada houve fora deste plano. “Tudo está cumprido”, dirá Ele também na cruz, como última frase antes da morte.

Cristo pode subir aos céus, como sinal evidentíssimo do seu triunfo, porque Ele viveu tudo o que estava escrito. Tinha feito da Vontade do Pai o seu alimento. O que se aplica a Ele, aplica-se a nós. Para nós, também, está escrito na mente de Deus o que deveria ser o nosso recorrido nesta vida.

Não deixemos que outras vozes nos desviem desta verdade básica. Deus não nos fez sem um propósito. Deus não faz nada sem um propósito. Na verdade, só existe uma única definição para a expressão “realização pessoal”: o cumprimento deste propósito divino. Existem elementos de realização pessoal na vida: o amor, a amizade, o ser útil aos outros, a presença de certos bens materiais, etc., mas estes elementos só adquirem o seu valor quando inseridos no cumprimento do plano divino para nós. O nosso problema é que, para nós, muitas vezes, realizar-se significar realizar os próprios planos.

Mas, na verdade, hoje em dia estamos já um pouco cansados de seguir os nossos próprios caminhos. Olho pela janela e não vejo pessoas realizadas na rua, ao menos aqui na Europa. Quisemos construir o nosso próprio paraíso terrestre, com as nossas próprias forças humanas...e não chegamos muito longe. Chegámos ao cansaço, ao tédio, mas pior ainda, a uma situação da qual ninguém sabe como sair. Hoje em dia quase ninguém acredita em soluções políticas, económicas, sociais...

Chegou o momento de voltar aos caminhos de Deus, depois de séculos de progressivo afastamento da fé, aqui no continente europeu. A este propósito, quero referir uma visão que me contou um amigo vidente de Nossa Senhora. Ele conta um dia ter visto espiritualmente o mapa de Portugal. Neste mapa apareciam pontos luminosos que se iam tornando cada vez mais intensos, até que, de repente, a luz que brotava deles encheu todo o mapa. Independentemente do juizo sobre a autenticidade de suas aparições, que certamente a mim não me compete dar, acho isso muito sugestivo.

A volta aos caminhos de Deus começa sempre a partir de núcleos convencidos, de grupos de pessoas que já definitivamente escolheram não mais viver para si mesmas e vivem uma vida de oração, que ocupa já não uma serie de momentos pré-establecidos. Mas, como recomenda são Paulo, e como o próprio são Paulo fazia, estas pessoas elevam “dia e noite” orações ao Senhor. É importante ter isso bem presente, pois às vezes podemos ter a impressão que as nossas orações não são muito eficazes ou então que são de eficácia limitada: para tal o qual pessoa da minha família, para conseguir tal ou qual coisa. Mas o que podem elas contra um mundo já tão secularizado? Contra toda uma economia, uma política, uma cultura, onde a questão de Deus passou a ser um tabu?

Sim, rezamos durante a Missa pelos governantes, por aqueles que têm mais influência na sociedade, mas talvez não sempre com esta fé, com este fogo, de quem sabe que vai ser ouvido. Dizemos na Missa “ouvi-nos, Senhor”, e pensamos que a nossa oração poderá ter alguma influência na política. Mas realmente continuamos a acreditar que, unida a muitos outros que rezam, ela pode ser decisiva?


Pois o Evangelho ensina-nos precisamente que por maiores que sejam as nossas petições elas são ouvidas. Quando há fé. Ou não é precisamente isso que Cristo quer significar quando diz que a fé transportará as montanhas? Ou quando no Evangelho de são Lucas lemos que Deus com certeza ouvirá as preces de quem lhe grita dia e noite. No Evangelho deste domingo, Cristo pede aos discípulos que permaneçam na cidade até serem resvestidos com a força do alto. São precisamente as últimas palavras de Cristo antes da Ascensão, como uma especie de testamento perene para todo aquele que quiser evangelizar seriamente.
 
E sabemos o que aconteceu. Rezaram os apóstolos com grande intensidade durante mais de dez dias. Praticamente dedicaram-se a isso nestes dez dias. E o fogo desceu do Céu: o Espírito Santo que lhes varreu o medo de falar, o medo de morrer por Cristo e lhes abria a porta dos corações dos homens. Não existe outro caminho de evangelização e de transformação do nosso mundo. Deus tem de vir, e virá certamente, se o chamarmos. Não importa que sejamos muitos ou poucos. Importa ter fé. E Ele abrirá as portas, segundo os caminhos d’Ele. Assim, os nossos apostolados não brotarão de decisões simplesmente humanas que não têm muito futuro. Mas de Deus. Serviremos os seus objetivos e não as nossas curtas visões ou as nossas preferências pessoais.
 
Tudo isso evidentemente implica desprendimento pessoal. Como Cristo. Ele teve de morrer e desceu até aos abismos da morte. Mas neste domingo festejamos o movimento oposto. Aquele que aceitou morrer, seguindo não os seus caminhos, mas o que “está escrito”, subiu ao mais alto, levando consigo a humanidade até ao trono de Deus! A nossa carne humana, em Cristo, está inserida no coração mesmo de Deus. Como tudo isso tem de encher-nos de confiança. Impossível duvidar, nestas condições, que Deus nos ama infinitamente! Estou persuadido que não deixará de ouvir as nossas vozes e de sugerir-nos os melhores caminhos. Estou persuadido, até, que só está à espera que nos reunamos e lhe supliquemos a sua ajuda e sua luz para entender o que quer de nós. Com força, com convicção, com fé, pois nada é impossível para Ele.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Bento XVI em Portugal



Caros amigos,

Deixamo-vos imagens do Santo Padre em Portugal em Lisboa no dia 11 de Maio, no primeiro dia da sua visita pastoral, a qual tivemos oportunidade de acompanhar, uma parte ad-hoc e outra em conjunto com o Grupo "Eu Acredito!", cerca de 11.000 fantásticos jovens a dizer ao Papa "Eu Acredito!", parabéns a todos eles e a toda a organização que conseguiu mover esta massa jovem tão enérgica.

Conseguimos muitas imagens, deste homem tão grande teólogo, tão humano, humilde e tímido, alguém que faz transbordar uma enorme paz e carinho, todos estes sentimentos foram sentidos na primeira pessoa por mim, as três vezes que estive a menos de 5 metros dele, na nunciatura apostólica, e no cortejo inicial e final da celebração do Terreiro do Paço.

Senti uma emoção enorme, confiança e sentido de perseverança na fé, e ele que sem me dizer uma palavra dirigida a mim em particular, mas o seu olhar deu-me uma grande lição de carinho, fé e paz para praticar no nosso dia-a-dia, confiando em Deus. Tudo nos é possível atingir com a fé em Cristo. 

Bento XVI esteve sempre tão próximo de Portugal, com a causa de Fátima que sempre seguiu no Vaticano... a beatificação dos pastorinhos há 10 anos atrás...

Não deixo mais palavras, pois todos os que estiverem com ele terão sentimentos específicos.

Este homem de estatura física média, mas Grande na sua vocação da sucessão de S. Pedro, que Deus lhe confiou através da sua nomeação pontífica pelos cardeais há 5 anos.

Paz e Bem!
Pedro Mestre







 


 


 


segunda-feira, 10 de maio de 2010

Papel de Maria na vida da Igreja

 É simplesmente inestimável o papel de Maria na vida da Igreja e dos cristãos, hoje em dia. Pensemos por exemplo no nosso país. O que seria da nossa fé sem Fátima? Certamente não acreditamos em Deus por causa de Fátima, mas quanto impulso, quanta força, quanto gosto pelas coisas de Deus recebemos destas aparições e das graças derramadas aí! Tive a oportunidade de ir recentemente ao México, onde estive no santuário de Nossa Senhora de Guadalupe. Trata-se possivelmente do santuário mais visitado no mundo. Entrei três vezes na imensa Basílica com espaço para mais de 10.000 pessoas. Eram dias normais. As três vezes o recinto era povoado de gente.

Os exemplos poderiam multiplicar-se e não se limitariam ao mundo católico. Mas permito-me mencionar um último relacionado com um homem que tocou profundamente o nosso tempo: o grande João Paulo II. Como sabem, escolheu como lema do seu pontificado Totus Tuus ego sum Maria. “Sou todo teu, Maria”. Quantos frutos deu esse Pontificado em tantos lugares e em tantos hábitos da nossa cultura? E quantos frutos teria dado sem Maria? Sem dúvida, João Paulo II não teria sido quem foi sem Nossa Senhora. Não só porque lhe deveu a vida no dia do atentado na Praça de São Pedro em Roma, um 13 de maio, mas porque a sua estatura espiritual e humana não teria sido tão gigantesca sem Ela. De que forma Maria influenciou a nossa vida e a vida de toda Igreja? Mencionarei três modos que me parecem especialmente significativos. Maria é intercessora, é modelo e é Mãe.

O poder da intercessão de Maria já é visível na vida da Igreja primitiva, especialmente no dia de Pentecostes. O Senhor tinha mandado aos Apóstolos e discípulos que rezassem para que viesse o Espírito Santo, que ainda deviam receber para poderem cumprir a missão. É por acaso que São Lucas menciona nos Actos dos Apóstolos que Maria estava presente no cenáculo precisamente nesta ocasião? Certamente que não. O Espírito Santo é chamado simplesmente “o Dom” por São Lucas, sem nenhum outro qualificativo. É de facto o grande Dom de Deus, e Nossa Senhora esteve muito ligada a ele, pela sua intercessão. Tinha de sê-lo.

Mas ainda antes deste momento tão crucial para a vida da Igreja, ao início de outra etapa importantíssima – a vida pública de Jesus – São João mostra-nos o papel da intercessão de Maria nas bodas de Caná. Conhecemos as circunstâncias desta passagem evangélica de grande valor simbólico. Os noivos já não têm vinho. A festa de casamento fracassará. Maria intercede e tudo se soluciona com um milagre de Jesus que transforma a água em vinho. Por causa deste milagre, o primeiro de Jesus, precisa João, os discípulos acreditaram n’Ele. Se tivermos em conta que provavelmente estas bodas representam a união que Deus quer realizar com o homem através da vinda e do sacrifício de Cristo, damo-nos conta que não podemos subestimar a importância da intercessão de Maria em toda a história da salvação.


São João Bosco tinha entendido e experimentado inúmeras vezes as consequências práticas deste importantíssimo papel intercessor de Maria. Por isso, costumava repetir: peçam a Maria e verão o que são milagres. Pessoalmente, penso que falta-nos em geral ser ainda mais marianos. Quando vemos os derroteiros que seguem as nossas sociedades, cada mais publicamente afastadas de Deus, é mais que nunca necessário experimentar a força e o poder da intercessão mariana. Mas isso não se fará sem nós. Como é duro, por exemplo, tocar o coração dos nossos jovens hoje em dia! Mas podemos fazê-lo, através de Nossa Senhora.

Maria quer ser mais que uma potente intercessora, e, de facto, foi mais que isso. Foi um modelo. É o modelo daquilo que Deus pode e quer realizar quando encontra uma alma disponível. Assim como não existiu limites para o bem realizado por Maria, porque foi toda de Deus, assim deve ser abundantíssimo aquilo que Deus quer realizar através de nós. Às vezes pode faltar-nos esta consciência e é possivelmente um dos motivos pelos quais não nos entregamosn totalmente a Sua Vontade, sem reservas nem cálculos humanos.

De que modo Maria é um modelo para todos nós? O exemplo de Maria é extremamente rico e nunca se poderão dizer demasiadas coisas ao respeito. Quero aquí recordar simplesmente o “sim” de Maria ao Anjo Gabriel, que lhe anunciou que seria Mãe do Salvador. Este “sim” é um pouco o resumo de sua existência. Evidentemente não o podemos limitar a este momento. Tudo na vida de Maria foi “sim”, um “sim” que não deixou de pronunciar ao pé da Cruz. Se não fosse assim, certamente Cristo não lhe teria pedido ser mãe de São João e nossa Mãe, neste momento. O que é especialmente importante sublinhar aqui é o facto de que quem contempla Maria, vai tornando-se como Ela. Precisamos dizer sim a Deus nas nossas vidas. Quantas graças e bênçãos podem ficar retidas, porque não queremos aceitar Sua Vontade sobre nós! Como João Paulo II, devemosm repetir “sou todo teu, Maria” e fazer desta frase um verdadeiro lema de vida. Vejam com que generosidade aceitou este grande Papa seguir as inspirações de Deus. Por isso, foi tão fecundo o seu Pontificado. Aprendamos de Maria a não temer pronunciar esta palavra tão singela e veremos as obras de Deus!

Por fim, Nossa Senhora é Mãe. Não só intercede, inspira e entusiasma pelo seu exemplo. Deu-nos à luz. Ou, o que é equivalente, deu-nos a Luz, Cristo. Paulo VI lucidamente proclamou-a Mãe da Igreja. É Mãe de todos nós, porque aceitou ser Mãe do Salvador, Mãe de Aquele que nos havia de dar a Vida nova, a Vida ressuscitada, que já começa a brotar nos corações dos fiéis. Quero aquí destacar um aspecto desta maternidade: as dores de parto. Sabemos que, durante o parto virginal, Nossa Senhora não teve dores com o seu Filho. Mas sim, connosco, ao longo de sua vida. E muitas. Não é por acaso que, ao pé da cruz, Cristo confia Maria a João, fazendo d'Ela a mãe do discípulo amado. Sim, Maria é mãe, porque, como certa vez, disse Cristo a Madre Teresa de Calcutá, “ela afogou-se em dores pelas almas”. Assim deu-nos a vida. No meio das dores.

Recordemos isso, no meio dos nossos sofrimentos de cada dia. Maria entende-os. Sofreu mais que todos nós. Imaginem que dores terá uma mulher que é Mãe de todos os homens de todos os tempos! Basta um, afastado de Deus, para que o coração da Mãe sofra tormentos…Mas não só Nossa Senhora entende os nossos padecimentos. Dá-nos força para sofrer, para tomar a nossa cruz, sem queixas. Faz-nos entender que sem a dor não é possível
a Redenção.

Aproveitemos, pois, a vinda do Papa a Fátima, para pedir a Deus através de Maria uma profunda renovação dos nossos corações e do nosso país. Maria quer realizar ainda milagres, hoje. E muitos: curando não só as feridas do corpo, mas sobre tudo os desvios da alma. Peçamos também muito pelo nosso Pontífice, para que seja sempre toda dela, como seu predecessor e nos possa ir levando cada vez mais perto de Cristo.

Pe. Antoine Coelho, LC
in: "Paróquia em Movimento" Boletim da Paróquia de S. Pedro e S. João do Estoril

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Domingo VI da Páscoa, Ano C

LEITURA I Actos 15, 1-2.22-29

«O Espírito Santo e nós decidimos não vos impor mais nenhuma obrigação além destas que são necessárias»

Leitura dos Actos dos Apóstolos
Naqueles dias,
alguns homens que desceram da Judeia
ensinavam aos irmãos de Antioquia:
«Se não receberdes a circuncisão,
segundo a Lei de Moisés,
não podereis salvar-vos».
Isto provocou muita agitação e uma discussão intensa
que Paulo e Barnabé tiveram com eles.
Então decidiram que Paulo e Barnabé e mais alguns discípulos
subissem a Jerusalém
para tratarem dessa questão com os Apóstolos e os anciãos.
Os Apóstolos e os anciãos, de acordo com toda a Igreja,
decidiram escolher alguns irmãos
e mandá-los a Antioquia com Barnabé e Paulo.
Eram Judas, a quem chamavam Barsabás,
e Silas, homens de autoridade entre os irmãos.
Mandaram por eles esta carta:
«Os Apóstolos e os anciãos, irmãos vossos,
saúdam os irmãos de origem pagã
residentes em Antioquia, na Síria e na Cilícia.
Tendo sabido que, sem nossa autorização,
alguns dos nossos vos foram inquietar,
perturbando as vossas almas com as suas palavras,
resolvemos, de comum acordo,
escolher delegados para vo-los enviarmos
juntamente com os nossos queridos Barnabé e Paulo,
homens que expuseram a sua vida
pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Por isso vos mandamos Judas e Silas,
que vos transmitirão de viva voz as nossas decisões.
O Espírito Santo e nós
decidimos não vos impor mais nenhuma obrigação,
além destas que são indispensáveis:
abster-vos da carne imolada aos ídolos,
do sangue, das carnes sufocadas e das relações imorais.
Procedereis bem, evitando tudo isso. Adeus».
Palavra do Senhor.


LEITURA II Ap 21, 10-14.22-23

«Mostrou-me a cidade santa, que descia do Céu»

Leitura do Livro do Apocalipse
Um Anjo transportou-me em espírito
ao cimo de uma alta montanha
e mostrou-me a cidade santa de Jerusalém,
que descia do Céu, da presença de Deus,
resplandecente da glória de Deus.
O seu esplendor era como o de uma pedra preciosíssima,
como uma pedra de jaspe cristalino.
Tinha uma grande e alta muralha,
com doze portas e, junto delas, doze Anjos;
tinha também nomes gravados,
os nomes das doze tribos dos filhos de Israel:
três portas a nascente, três portas ao norte,
três portas ao sul e três portas a poente.
A muralha da cidade tinha na base doze reforços salientes
e neles doze nomes: os dos doze Apóstolos do Cordeiro.
Na cidade não vi nenhum templo,
porque o seu templo é o Senhor Deus omnipotente e o Cordeiro.
A cidade não precisa da luz do sol nem da lua,
porque a glória de Deus a ilumina
e a sua lâmpada é o Cordeiro.
Palavra do Senhor.


EVANGELHO Jo 14, 23-29

«O Espírito Santo vos recordará tudo o que Eu vos disse»

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos:
«Quem Me ama guardará a minha palavra
e meu Pai o amará;
Nós viremos a ele
e faremos nele a nossa morada.
Quem Me não ama não guarda a minha palavra.
Ora a palavra que ouvis não é minha,
mas do Pai que Me enviou.
Disse-vos estas coisas, estando ainda convosco.
Mas o Paráclito, o Espírito Santo,
que o Pai enviará em meu nome,
vos ensinará todas as coisas
e vos recordará tudo o que Eu vos disse.
Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz.
Não vo-la dou como a dá o mundo.
Não se perturbe nem se intimide o vosso coração.
Ouvistes que Eu vos disse:
Vou partir, mas voltarei para junto de vós.
Se Me amásseis,
ficaríeis contentes por Eu ir para o Pai,
porque o Pai é maior do que Eu.
Disse-vo-lo agora, antes de acontecer,
para que, quando acontecer, acrediteis»
Palavra da salvação.


Homilia Pe. Antoine Coelho, LC
Domingo VI da Páscoa


O Evangelho de São João, que nos oferece a liturgia do próximo domingo, é tão rico de temas e de pontos de vista que seria impossível abarcá-los todos de modo devido.

Há o tema da Palavra de Cristo, que o crente deve guardar no seu coração, a qual, para nós, hoje em dia, é a palavra da Sagrada Escritura e da Igreja. Dizia São Jerónimo que a ignorância das Escrituras significa ignorância de Cristo. Mas aqui São Jerónimo não se refere a um desconhecimento intelectual de Cristo. Antes que nada quer dizer não conhecê-lo no nosso coração. É importante recordar que a Palavra da Sagrada Escritura tem um poder especial, como nos ensina a Cartas aos Hebreus. É viva e eficaz. Tem o poder de tocar as fibras mais profundas do nosso ser e levá-lo a uma transformação. Claro está que a devemos ler com fé e com um atitude interior de abertura.

A palavra da Igreja não é também uma palavra qualquer. De facto, se não fosse a Igreja, não teriamos accesso à Palavra de Cristo. Os Evangelhos e todo o Novo Testamento foram escritos pela Igreja primitiva. E depois está esta promessa que nos dá muita segurança: “Mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos recordará tudo o que Eu vos disse”. Este versículo do Evangelho de hoje está dirigido à Igreja. As aplicações, as interpretações, as deducções que a Igreja vai fazendo ao longo do tempo gozam de uma assistência especial do Espírito Santo, para que não deixe de ensinar-nos a verdade sobre a fé e a moral. E é lógico que seja assim. Se Cristo é realmente Deus, então Ele pode pôr os meios necessários para que a sua Palavra, através da Igreja, não se deturpe. Quem defende que a mensagem de Cristo foi toda irremediavelmente adulterada por causa da Igreja, está negando, talvez sem o saber, o poder de Cristo e por isso a sua Divindade.

Depois, o Evangelho deste domingo apresenta o facto de que Deus mora no coração dos homens. “Quem me ama guardará a minha palavra e meu Pai o amará; nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada”. Para além de ser belíssima, é uma verdade de importantíssimas consequências. Quem vive em profundidade o que está aqui dito, não conhecerá a solidão na vida. Claro, poderão chegar momentos de solidão, de desamparo...mas serão sentimentos passajeiros, porque, de facto, Deus habita n’Ele e encontra os meios para fazer sentir a sua Presença. O celibato sacerdotal e dos religiosos seria impossível, se esta experiência da presença de Deus no nosso coração, não fosse palpável e real de algum modo.

Os psicólogos dizem que um dos maiores problemas das pessoas, hoje em dia, é a solidão. E podem estar casadas, ter a casa cheia de filhos...e, no entanto, ataca-as a solidão. Não será que devem voltar a experimentar esta profunda verdade? As pessoas mortais não podem apagar a nossa sede de companhia, precisamente porque são mortais, limitadas, finitas...Existe um espaço no centro do nosso ser que nunca poderão ocupar e que só está reservado a Deus. Se quisermos vencer a solidão, devemos desenvolver a oração. Com ela, crescerá o que podemos chamar “a vida no Espírito”, feita de iluminações da nossa mente por parte do Espírito Santo, de estados anímicos profundos que Ele suscita, de experiências inefáveis. É todo o mundo interior que se abre e que nos enraiza já, desde esta vida, na Vida Eterna e nos permite ver as coisas terrenas que passam com olhos novos. A esta luz entende-se o lema dos cartuxos: “Stat crux, dum volvitur orbis”, ou seja, “Mantém-se firme a cruz, enquanto o mundo dá voltas”.

Outra consequência do facto de que Deus mora em nós, é que somos seres sagrados. Quanta violência sofremos nas nossas relações familiares, de trabalho, sociais...Quanta manipulação no mundo da economia, do direito, da política...Isso está, sem dúvida, ligado a muitas causas, mas uma das mais importantes, na minha opinião consiste na banalização da sexualidade, reduzindo-a a um um bem de consumo. Com efeito, o problema com a sexualidade degradada, é que estamos a “consumir” uma outra pessoa, seja ela virtual ou real. Estamos a fazer dela um objeto. O resultado é obvio: modifica profundamente a nossa visão das pessoas. Obviamente, seremos incapazes de reconhecê-las como seres sagrados, templos onde Deus habita. E como não vai isso ter consequências desastrosos em todas as nossas relações dentro da sociedad? Temos voltar urgentemente a esta grande verdade. Somos moradas de Deus, somos “membros de Cristo”, como diz São Paulo.

Por fim, gostaria de falar de outro aspecto, apresentado por este Evangelho: a paz. “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como a dá o mundo. Não se perturbe nem se intimide o vosso coração”. Realmente, a experiência que mais me marcou depois da minha conversão dos 18-19 anos, foi a paz. Esta paz elevou a minha vida a um nivel que nunca teria sonhado antes. A paz, antes, era simplesmente um sentimento passageiro, fruto de objetivo alcançado ou da presença de uma pessoa amiga, ou de alguma experiência gratificante. Mas tudo aquilo voava em seguida e deixava de novo o lugar a um malestar interior difuso e cuja causa sempre atribuía a alguma coisa concreta, que eu já resolveria com um pouco de tempo. Mas apenas cortava a “cabeça do problema”, como se o meu adversário fosse uma hidra, sempre surgia algo novo que me perturbava, uma nova “cabeça”. Quando num momento de lucidez, dei-me conta que isso duraria toda a vida, então decidi mudar de caminho e buscar Deus, o Senhor da Paz que sempre me tinha chamado e que sempre desdenhara, porque existiam coisas mais importantes que Ele.

E com Deus veio a paz. Não como estado passajeiro, mas como realidade tão indestrutível como o próprio Deus, porque é Ele em pessoa a nossa Paz. Sim: a paz é ter Deus a morar no coração, e, por isso, estou convencido que somente o seguidor de Cristo a pode experimentar. Haverá ventos e ondas furiosas no seu caminho, dificuldades aparentemente intransponíveis, adversários perigosos...mas o que é isso comparado com esse Deus que constantemente murmura ao coração: “não se intimide o vosso coração, eu venci o mundo”?

Mas para viver isso temos de rezar. Bastante. Deus não se mantém em nós, ou melhor, não nos mantemos em Deus, se não fizermos ressoar de alguma forma a sua Palavra em nós, através de orações frequentes, que devem acompanhar o nosso dia. Não sempre é fácil rezar, não sempre é apetecível. Às vezes pode parecer que falamos a uma parede ou que as nossas palavras vão contra as nuvens e voltam. E depois existem mil excelentes desculpas para não rezar, existem mil coisas mais “importantes” que fazer.

Os efeitos da oração intensa, regular, generosa, que não olha todo o tempo para o relógio, não se vêm imediatamente. Então a tentação de pensar que “aquilo não funciona” são grandes. Mas quem perseverar, verá como há-de chegar um momento que a sua oração “romperá finalmente as nuvens”, verá como Deus o invadirá. Pouco a pouco Ele irá impregnando as suas mais mínimas reacções e desbordará com abundância para fazer-se presente na vida dos outros. E quando a oração faz-se em família os efeitos são multiplicados (“quando dois ou três se reunirem em Meu nome, Eu estarei no meio deles”).
Somos moradas de Deus, somos templos de Deus para sermos “visitados” pelos outros. Aí devem encontrar uma luz, que não conseguem descobrir em outros ámbitos de sua vida. Aproveitemos, pois, este tempo pascoal, em que continuamos a festejar a Resurreição, para pedir a Deus que renove os nossos corações e os dos nossos seres queridos pelo poder da Sua presença, que será tão viva quanto o será a nossa fé.