sábado, 4 de setembro de 2010

Domingo XXIII do tempo comum, Ano C

LEITURA I Sab 9, 13-19 (gr. 13-18b)

«Quem pode sondar as intenções do Senhor»

Leitura do Livro da Sabedoria
Qual o homem que pode conhecer os desígnios de Deus?
Quem pode sondar as intenções do Senhor?
Os pensamentos dos mortais são mesquinhos
e inseguras as nossas reflexões,
porque o corpo corruptível deprime a alma
e a morada terrestre oprime o espírito que pensa.
Mal podemos compreender o que está sobre a terra
e com dificuldade encontramos o que temos ao alcance da mão.
Quem poderá então descobrir o que há nos céus?
Quem poderá conhecer, Senhor, os vossos desígnios,
se Vós não lhe dais a sabedoria
e não lhe enviais o vosso espírito santo?
Deste modo foi corrigido o procedimento dos que estão na terra,
os homens aprenderam as coisas que Vos agradam
e pela sabedoria foram salvos.
Palavra do Senhor.

LEITURA II Flm 9b-10.12-17

«Recebe-o, não já como escravo, mas como irmão muito querido»

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo a Filémon
Caríssimo:
Eu, Paulo, prisioneiro por amor de Cristo Jesus,
rogo-te por este meu filho, Onésimo, que eu gerei na prisão.
Mando-o de volta para ti, como se fosse o meu próprio coração.
Quisera conservá-lo junto de mim,
para que me servisse, em teu lugar,
enquanto estou preso por causa do Evangelho.
Mas, sem o teu consentimento, nada quis fazer,
para que a tua boa acção não parecesse forçada,
mas feita de livre vontade.
Talvez ele se tenha afastado de ti durante algum tempo,
a fim de o recuperares para sempre,
não já como escravo, mas muito melhor do que escravo:
como irmão muito querido.
É isto que ele é para mim
e muito mais para ti, não só pela natureza,
mas também aos olhos do Senhor.
Se me consideras teu amigo,
recebe-o como a mim próprio.
Palavra do Senhor.

EVANGELHO Lc 14, 25-33

«Quem não renunciar a todos os seus bens não pode ser meu discípulo»

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo,
seguia Jesus uma grande multidão.
Jesus voltou-Se e disse-lhes:
«Se alguém vem ter comigo,
e não Me preferir ao pai, à mãe,
à esposa, aos filhos, aos irmãos, às irmãs
e até à própria vida,
não pode ser meu discípulo.
Quem não toma a sua cruz para Me seguir,
não pode ser meu discípulo.
Quem de vós, desejando construir uma torre,
não se senta primeiro a calcular a despesa,
para ver se tem com que terminá-la?
Não suceda que, depois de assentar os alicerces,
se mostre incapaz de a concluir
e todos os que olharem comecem a fazer troça, dizendo:
‘Esse homem começou a edificar,
mas não foi capaz de concluir’.
E qual é o rei que parte para a guerra contra outro rei
e não se senta primeiro a considerar
se é capaz de se opor, com dez mil soldados,
àquele que vem contra ele com vinte mil?
Aliás, enquanto o outro ainda está longe,
manda-lhe uma delegação a pedir as condições de paz.
Assim, quem de entre vós não renunciar a todos os seus bens,
não pode ser meu discípulo».
Palavra da salvação.

Homilia do Pe. Antoine Coelho, LC

Cristo põe as condições para os que querem segui-lo. Quem não estiver disposto a abraçá-las não pode ser seu discípulo. Atenção: não está dizer que quem não as aceitar será um discípulo de segunda categoria ou não será plenamente o seu discípulo. Simplesmente não poderá ser discípulo. Isso é muito forte, porque nós nos podemos considerar cristãos pelo facto de termos sido baptizados e de termos mantido a fé. Mas será que isso basta aos olhos de Deus para ser cristão?

Mas vejamos que condições põe Cristo. Não são muitas. De facto é uma só: a renúncia aos bens deste mundo. Claro: não por renunciar aos bens deste mundo sou discípulo do Senhor. Mas se não estiver disposto a passar por este caminho, não posso dizer-me seguidor de Cristo. Com efeito, não posso seguir Cristo e seguir-me a mim mesmo ao mesmo tempo. Se sigo Cristo, vou por um caminho que me leva à Cruz e à Resurreição; se me sigo a mim mesmo, seguirei os meus gostos pessoais e as coisas deste mundo.

Mas aqui temos de sublinhar um elemento importante. Não dissemos que tínhamos de passar pela renúncia, como se fosse uma porta que nos leva a Cristo. A renúncia não é uma porta, é um caminho que se faz pouco a pouco. Quem vai por um caminho até ao cume de uma montanha, já tomou uma decisão. Deixou a casa própria e todos os confortos que aí possui e está disposto a enfrentar a fadiga da subida. E essa decisão é fundamental, mesmo se está misturada inicialmente com muitos elementos alheios ao amor de Cristo.

Talvez no início da subida esteja a pensar muito naquilo que deixou para trás. A sua renúncia é frágil, está feita de vacilações e saudades. Mas conforme vai subindo descobre uma vista cada vez mais ampla e maravilhosa que lhe vai enchendo a alma, ao mesmo tempo que o cume brilhante vai tornando-se cada vez mais nítido. Então, pouco a pouco, a convicção de que tomou a decisão correcta crescerá, pois comprova concretamente que tudo aquilo que abandonou não era nada comparado com a beleza que se oferece à sua vista. Assim é a nossa vida espiritual, feita de uma renúncia cada vez mais profunda, quanto profunda é a nossa experiência pessoal do amor e da beleza de Deus, que resplandece em Cristo.

E realmente, tal como Cristo se transfigurou diante dos apóstolos no monte Tabor, assim vai se transfigurando pouco a pouco para aqueles que o seguem. É um fenómeno que é difícil de explicar para quem não o experimentou, para além de que as palavras humanas são muito insuficientes para o descrever. Mas o facto é que a luz de Cristo vai-se tornando cada vez mais radiante na vida espiritual, enchendo-a sempre mais e mais. Vale a pena ter tomado a decisão de segui-lo, vale a pena ter tomado a decisão de renunciar mesmo se esta renúncia ao início era ainda frágil e misturada com muitos apegos.

Como disse Cristo a uma mística francesa do século passado, Emmanuelle Bossis, até a tua boa vontade é uma graça, que Eu dou. Convém ter isso sempre em conta. Cristo pede-nos renunciar a coisas muito difíceis às vezes e podemos ter a sensação de que isso é inalcançável, de que não temos a suficiente “boa vontade” para fazê-lo.

Como aplicar à nossa vida, com efeito, o que propõe São Paulo na primeira carta aos Coríntios? “Eis o que vos digo, irmãos: o tempo dobrou as suas velas (ou seja, “fez-se curto”). Resta, pois, que aqueles que têm esposa, sejam como se não a tivessem; aqueles que choram, como se não chorassem; aqueles que se regozijam, como se não regozijassem; aqueles que compram, como se não possuíssem; aqueles que usam deste mundo, como se não o usassem plenamente, pois passa a figura deste mundo”. Em poucas palavras, o ideal que São Paulo apresentará, por inspiração de Deus, a todas as comunidades cristãs de todos os tempos é este: viver completamente desapegado de todas as criaturas para unicamente ter o coração em Deus. Claro, isso não significa não amar as criaturas, significa amá-las de tal forma que nenhuma me ate, que nenhuma possa ofuscar do modo mais pequeno a luz de Cristo no meu coração. O amor de Cristo não admite rivais de nenhuma classe, nada deve ser amado de forma comparável ao amor que temos por Ele, pois Ele nos criou e além disso pagou a nossa Vida Eterna com o seu próprio sangue da forma mais dolorosa e brutal.

Diante de tal exigência, a muitos nem lhes apetece pôr-se a caminho. Mas isso significa que nunca conhecerão o que é o amor, porque o amor de um homem ou de uma mulher, ou mesmo, o amor de uma multidão de amigos, se bem tem certo valor, é uma luz mínima comparada com o fogo que há em Deus. Ora, privar-se do amor é privar-se da vida mesma, pois se não vivemos para amar, para quê vivemos?

Quem sente não ter forças para renunciar, quem sente que nem sequer lhe apetece renunciar, peça o dom da boa vontade. Ela virá. “Não me apetece, nem remotamente ir à missa, porque acho tudo isso uma chatice”, pensará talvez mais de um. Mas quem pensa assim, no fundo, dá-se conta que aqui existe uma barreira importantíssima entre ele e o amor de Deus. O que fazer? Em primeiro lugar, reconhecer esta barreira: é o momento da sinceridade, um momento importantíssimo. E em segundo lugar, pedir uma boa vontade, pedir querer ir à missa. Se a petição for sincera e repetida, a “boa vontade” virá. E assim sucederá com todas as criaturas às quais não queremos renunciar, por mais amadas que sejam, se o pedirmos na oração de forma perseverante.

E também recordemos o que sabiamente nos diz São Paulo. “Passa a figura deste mundo”. O que vale este mundo comparado com a Eternidade? Pouca coisa. E no entanto, do modo como o considerámos nesta vida, dependerá a nossa Eternidade.

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