LEITURA I Sir 3, 19-21.30-31 (gr.17-18.20.28-29)
«Humilha-te e encontrarás graça diante do Senhor»
Leitura do Livro de Ben-Sirá
Filho, em todas as tuas obras procede com humildade
e serás mais estimado do que o homem generoso.
Quanto mais importante fores, mais deves humilhar-te
e encontrarás graça diante do Senhor.
Porque é grande o poder do Senhor
e os humildes cantam a sua glória.
A desgraça do soberbo não tem cura,
porque a árvore da maldade criou nele raízes.
O coração do sábio compreende as máximas do sábio
e o ouvido atento alegra-se com a sabedoria.
Palavra do Senhor.
LEITURA II Hebr 12, 18-19.22-24a
«Aproximastes-vos do monte Sião, da cidade do Deus vivo»
Leitura da Epístola aos Hebreus
Irmãos:
Vós não vos aproximastes de uma realidade sensível,
como os israelitas no monte Sinai:
o fogo ardente, a nuvem escura,
as trevas densas ou a tempestade,
o som da trombeta e aquela voz tão retumbante
que os ouvintes suplicaram que não lhes falasse mais.
Vós aproximastes-vos do monte Sião,
da cidade do Deus vivo, a Jerusalém celeste,
de muitos milhares de Anjos em reunião festiva,
de uma assembleia de primogénitos inscritos no Céu,
de Deus, juiz do universo,
dos espíritos dos justos que atingiram a perfeição
e de Jesus, mediador da nova aliança.
Palavra do Senhor.
EVANGELHO Lc 14, 1.7-14
«Quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado»
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo,
Jesus entrou, a um sábado,
em casa de um dos principais fariseus
para tomar uma refeição.
Todos O observavam.
Ao notar como os convidados escolhiam os primeiros lugares,
Jesus disse-lhes esta parábola:
«Quando fores convidado para um banquete nupcial,
não tomes o primeiro lugar.
Pode acontecer que tenha sido convidado
alguém mais importante do que tu;
então, aquele que vos convidou a ambos, terá que te dizer:
‘Dá o lugar a este’;
e ficarás depois envergonhado,
se tiveres de ocupar o último lugar.
Por isso, quando fores convidado,
vai sentar-te no último lugar;
e quando vier aquele que te convidou, dirá:
‘Amigo, sobe mais para cima’;
ficarás então honrado aos olhos dos outros convidados.
Quem se exalta será humilhado
e quem se humilha será exaltado».
Jesus disse ainda a quem O tinha convidado:
«Quando ofereceres um almoço ou um jantar,
não convides os teus amigos nem os teus irmãos,
nem os teus parentes nem os teus vizinhos ricos,
não seja que eles por sua vez te convidem
e assim serás retribuído.
Mas quando ofereceres um banquete,
convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos;
e serás feliz por eles não terem com que retribuir-te:
ser-te-á retribuído na ressurreição dos justos.
Palavra da salvação.
Homilia do Pe. Antoine Coelho, LC
A primeira leitura, o livro de Ben Sirá, dá-nos um conselho que merece ser meditado muitas vezes: “quanto mais importante fores, mais deves humilhar-te e encontrarás graça diante do Senhor”. Temos aqui novamente uma destas verdades da espiritualidade bíblica, que são um verdadeiro tesouro e que contrastam radicalmente com o pensamento do mundo. Para o século presente, o homem importante é precisamente aquele que não tem de se humilhar porque está acima de todos; não chegou ao cume para depois ter de se inclinar diante dos outros. A humildade para o mundo é símbolo de fraqueza, todo o contrário daquilo que se espera de um homem importante.
Mas, se o mundo presente pensa isso, é porque ainda não entendeu em que consiste a verdadeira humildade. Senão compreenderia que não somente é conveniente ao homem importante ser humilde, mas é absolutamente vital, se ele quer ser realmente um homem forte, que possa influenciar positivamente os outros.
O Evangelho deste domingo dá-nos umas pistas sobre o verdadeiro significado da humildade. “Quando fores convidado para um banquete nupcial”, diz o Senhor, “não tomes o primeiro lugar...quando fores convidado, vai sentar-te no último lugar”. A conclusão do Senhor é magistral. Que pena que estamos tão acostumados a ouvi-la e assim deixamos de apreciá-la em toda a sua beleza e grandeza: “Quem se exalta será humilhado e que se humilha será exaltado”.
Costuma-se dizer na espiritualidade católica, citando Sta Teresa de Ávila, que “a humildade é a verdade”, no sentido de que o homem humilde é capaz de reconhecer a verdade da sua vida. Assim, segundo a interpretação que se costuma dar à frase de Sta Teresa, ser humilde significa ser consciente de que se é uma simples criatura. Não se deve confundir humildade com “miserabilismo”. O homem humilde, como está na verdade, reconhece objetivamente as suas qualidades e põe-nas a dar fruto, além de que não cai na soberba, porque é capaz de se dar conta de que todas as suas qualidades foram recibidas por Deus.
Tudo isso é verdade e estas considerações são equilibradas e valiosas. Mas falta um elemento importantíssimo: ver a humildade em Cristo e ver com mais atenção a humildade como no-la apresenta o Evangelho. Por exemplo, Cristo, no evangelho de hoje, não disse que o convidado devia sentar-se no lugar que lhe correspondia entre todos os lugares que havia. Disse que devia sentar-se no último lugar. Em realidade, Cristo com esta parábola, como em tantas outras, de forma velada, está a falar de si mesmo, está a falar do modo como el viveu a humildade e, necessariamente, do modo como a devemos viver. Ele é o Senhor do Céu e da Terra, o Criador de tudo, ao poder do qual nada escapa. E, no entanto, Ele morreu como o último dos bandidos. Quis deixar este mundo, momento tão importante, tomando o último lugar e, por isso, na sua humanidade foi elevado ao lugar mais elevado possível.
A humildade de Cristo é descrita de forma extraordinária, por São Paulo, na Epístola aos Filipenses: “Ele tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se a si mesmo, e assumiu a condição de servo, tomando a semelhança humana. E achado em figura de homem, humilhou-se e foi obediente até a morte, e morte de cruz! Por isso Deus o sobreexaltou grandemente e o agraciou com o Nome que é sobre todo o nome...”
Aqui encontramos a humildade de Cristo e a humildade cristã. O Evangelho de São Marcos também a ensina de forma excelente: “O Filho não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos”.
O homem humilde é aquele que vive fora de si mesmo e para os outros. A humildade é a força sobrenatural que nos dá o poder de não mais vivermos centrados em nós mesmos. Quem vive assim, não se preocupa se está bem ou se está mal, se foi humilhado ou louvado, se o trataram com deferência ou com indiferença, porque o seu centro de gravidade é o Outro, Deus, e também os outros.
Certo dia estava a pregar isso numa homilia e depois uma senhora veio ter comigo e disse-me: “Padre, isso é muito belo, e o nosso párroco levou-nos a este tipo de vida, uma vida totalmente para os outros, e simplesmente fiquei esgotada, não aguantei e agora tornei-me mais calculadora”. O comentário foi muito pertinente. É claro que temos de viver para os outros, porque é uma verdade do Evangelho tão central quanto irrenunciável , mas tudo depende do modo como se vive para os outros, tudo depende daquilo que quer dizer “viver para os outros”.
Se viver para os outros, significa somente “fazer coisas para os outros” e fazê-lo todo o tempo...acho que não iremos longe. Viver para os outros significa fundamentalmente ter o coração em Deus, viver numa profunda comunhão com Aquele que é a nossa vida. Viver para os outros não quer dizer revolucionar as actividades da nossa vida. Até pode ser que nem mudem muito. Significa sobretudo revolucionar o lugar que ocupa o nosso coração, passando a estar nos outros e, em primeiríssimo lugar, em Deus. Então as actividades, se calhar, não mudam muito exteriormente, mas a intenção é totalmente diversa: trabalha-se para o Reino de Deus.
Se o dom de nós mesmos não partir de uma profunda comunhão de corações com Deus, não partir da oração, passa a ser simplesmente uma actividade voluntarista. A pessoa dá-se aos outros porque acha que é o correcto e porque quer dar-se a eles. Quando isso acontece, sem se dar conta, a pessoa facilmente tende a buscar-se a si mesma. Infiltram-se intenções torcidas. Quer ser boa porque se quer ver boa. Falta a humildade. E então cansa-se, esgota-se, não tem as forças, dado que as forças só vêm de Deus e Ele não as dá a quem não actua com humildade.
Assim, vemos que a humildade não é uma virtude dos fracos, mas é força no Espírito, porque permite realizar o que esgotaria outros. Com efeito, o homem humilde esvazia-se de si mesmo para se encher do poder de Deus. O homem importante, precisamente porque é importante e tem muitas responsabilidades nas costas, necessita da força verdadeira de Deus, necessita da humildade. Essa o levará não já a olhar-se no espelho e a considerar o importante que é, mas a olhar para os outros, a descobrir que existe um mundo que precisa dele. E recordemos a frase de que partimos, a do sábio Ben Sirá: “quanto mais importante fores, mais deves humilhar-te e encontrarás graça diante do Senhor”. Sim, humilhar-se como Cristo, que era a pessoa mais importante que tenha pisado esta terra...mas não humilhar-se sem Cristo, senão esta pseudo atitude de humildade será de soberba. Com efeito o Senhor disse: “sem mim nada podeis”.
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