sábado, 14 de agosto de 2010

Domingo XX do tempo comum, Ano C

LEITURA I Jer 38, 4-6.8-10

«Geraste-me como homem de discórdia para toda a terra» (Jer 15, 10)

Leitura do Livro de Jeremias
Naqueles dias,
os ministros disseram ao rei de Judá:
«Esse Jeremias deve morrer,
porque semeia o desânimo entre os combatentes
que ficaram na cidade e também todo o povo
com as palavras que diz.
Este homem não procura o bem do povo,
mas a sua perdição».
O rei Sedecias respondeu:
«Ele está nas vossas mãos;
o rei não tem poder para vos contrariar».
Apoderaram-se então de Jeremias
e, por meio de cordas,
fizeram-no descer à cisterna do príncipe Melquias,
situada no pátio da guarda.
Na cisterna não havia água, mas apenas lodo,
e Jeremias atolou-se no lodo.
Entretanto, Ebed-Melec, o etíope,
saiu do palácio e falou ao rei:
«Ó rei, meu senhor, esses homens procederam muito mal
tratando assim o profeta Jeremias:
meteram-no na cisterna, onde vai morrer de fome,
pois já não há pão na cidade».
Então o rei ordenou a Ebed-Melec, o etíope:
«Leva daqui contigo três homens
e retira da cisterna o profeta Jeremias,
antes que ele morra».
Palavra do Senhor.

LEITURA II Hebr 12, 1-4

«Corramos com perseverança para o combate que se apresenta diante de nós»

Leitura da Epístola aos Hebreus
Irmãos:
Estando nós rodeados de tão grande número de testemunhas,
ponhamos de parte todo o fardo e pecado que nos cerca
e corramos com perseverança para o combate
que se apresenta diante de nós,
fixando os olhos em Jesus,
guia da nossa fé e autor da sua perfeição.
Renunciando à alegria que tinha ao seu alcance,
Ele suportou a cruz, desprezando a sua ignomínia,
e está sentado à direita do trono de Deus.
Pensai n’Aquele que suportou contra Si
tão grande hostilidade da parte dos pecadores,
para não vos deixardes abater pelo desânimo.
Vós ainda não resististes até ao sangue,
na luta contra o pecado.
Palavra do Senhor.

EVANGELHO Lc 12, 49-53

«Não vim trazer a paz, mas a desunião»

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos:
«Eu vim trazer o fogo à terra
e que quero Eu senão que ele se acenda?
Tenho de receber um baptismo
e estou ansioso até que ele se realize.
Pensais que Eu vim estabelecer a paz na terra?
Não. Eu vos digo que vim trazer a divisão.
A partir de agora,
estarão cinco divididos numa casa:
três contra dois e dois contra três.
Estarão divididos o pai contra o filho e o filho contra o pai,
a mãe contra a filha e a filha contra a mãe,
a sogra contra a nora e a nora contra a sogra».
Palavra da salvação.

Homilia do Pe. Antoine Coelho, LC

Às vezes o Evangelho parece contradizer-se. A liturgia deste domingo apresenta-nos um caso evidente. Sabemos que Cristo veio para dar-nos a paz. “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz”, asegura Ele no Evangelho de São João. No entanto, na passagem evangélica de hoje, Cristo avisa que não veio trazer a paz na terra. “Eu vos digo que vim trazer a divisão”. A divisão afectará inclusive as relações dentro das próprias famílias. “Estarão divididos o pai contra o filho e o filho contra o pai”.

Recordo certa vez ter falado com uma jovem senhora em Espanha sobre este tema. Dizia-me que o seu pai tinha aceitado com virtude cristã e grande espírito de fé um cancro que o tinha levado finalmente à morte. Esta experiência tinha-a fortalecido grandemente na sua fé, tinha-lhe mostrado com toda evidência a presença de uma força sobrenatural, pacificando e consolado o coração do seu pai.

Curiosamente, o seu irmão, educado da mesma forma que ela, por causa da situação do pai, renegava a fé. “Como era possível”, dizia ele, “que Deus permitisse que o pai morresse desta forma?” Este jovem não fora capaz de abrir o coração à acção iluminadora do Espírito. Contemplava a situação no seu aspecto periférico – o drama da morte do pai – sem poder penetrar com os olhos na realidade interior: a vitória luminosa de Cristo no coração de este homem que aceitava oferecer sua vida para a salvação das almas. Do lado de fora, a morte, do lado de dentro a Resurreição de Cristo, salvando um homem do egoísmo e abrindo-lhe as portas do Céu.

Um abismo separava agora o irmão da irmã, os quais viviam a partir deste momento em dois mundos opostos: o da fé, cheio de esperança na vitória final sobre a morte, e o do agnosticismo, cujo horizonte parece estar encerrado por todos os lados pelas trevas da morte.

Mas então não será que Cristo veio para semear a divisão entre os homens, empurrando-os irremediavelmente em visões do mundo incompatíveis? À luz desta situação, não seria melhor propor às religiões, e especialmente ao cristianismo, que relativizem mais os seus conteúdos, de modo que possamos alcançar mais facilmente um certo entendimento entre os homens? Penso que estas perguntas escondem uma certa ingenuidade. Com efeito, o relativismo que as sociedades occidentais parecem defender não é um caminho para a paz. Ao contrário, favorece grandemente a exploração do homem pelo homem, o domínio despótico dos fortes, que já nem sequer temem ter de dar conta um dia dos seus actos ao Criador. Não bastam vagos princípios religisos. Necessitamos verdades religiosas, verdades “fortes” e últimas que protegem o homem; senão o caminho está aberto para todo tipo de abusos.

Na verdade, Cristo veio dar a paz, mas é uma paz tal, que quem não a aceita opta mais decididamente pela escuridão. Rejeitar Deus é sempre nocivo, mas rejeitar um Deus que morre por nós na cruz, com amor infinito, é pior ainda. A paz, que nos dá Cristo, não é despótica, não é fruto de uma violência ou coacção. Esta paz é uma opção oferecida ao homem. E por isso, não é realmente Cristo que divide os homens. É o homem que se divide. E em primeiro lugar, esta divisão se dá interiormente, se dá no coração daquele que não aceita, por egoísmo, o amor de Deus, pois não segue o grito da sua consciência. E depois se propaga nas relações entre os homens.

A primeira leitura, de Jeremias, é um exemplo claro disso. O profeta anuncia a destruição iminente de Jerusalem se os judeus não se decidirem a abandonar os próprios caminhos, e a enveredar por aqueles do Senhor. Então o profeta é rejeitado por grande parte do povo e termina por ser lançado num poço, onde acabaria por morrer, se o Senhor não o protegesse. O homem, que recusa o Deus do amor, é mais vulnerável às seducções da violência e à tentação de enfrentar com crueldade quem lhe diz a verdade sobre a sua vida.

Os judeus do tempo de Jeremias, que se creíam talvez muito religiosos, não adoravam autênticamente o Deus verdadeiro e, por isso, era mais fácil não lhes importar enviar para um poço quem os incomodava. Mas não se davam conta que rejeitar Deus desta forma leva à destruição. O seu fim, de facto, era iminente e a destruição de Jerusalem por Nabucodonosor havia de ser terrível e de uma crueldade sem limites. Basta dizer que, sem qualquer sentimento de compaixão e contra todas as regras de nobreza, Nabucodonosor pediu que furassem diante dele os olhos de Sedecias, rei de Jerusalem.

Sendo realistas, segundo o modo como Deus nos ensina a ser realistas – através da Bíblia – devemos reconhecer que, quando nos afastamos de Deus, se estabelece uma secreta conivência com as forças do mal e, então, o caminho dos povos dirige-se insensivelmente ao abismo. Peçamos muito a Deus que as sendas da nossa civilização occidental se abram à paz que vem de Deus. Para isso, muitos olhos fechados têm se abrir, muitos corações confundidos, devem buscar a simplicidade de Deus. A nossa oração pode alcançar grandes graças. Que ela também nos possa guiar na realização de uma corajosa acção evangelizadora, não segundo as nossas concepções humanas, mas segundo os caminhos do Senhor. Não há que perder tempo.

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