quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Domingo XXIV do tempo comum, Ano C

LEITURA I Ex 32, 7-11.13-14

«O Senhor desistiu do mal com que tinha ameaçado o seu povo»

Leitura do Livro do Êxodo
Naqueles dias,
o Senhor falou a Moisés, dizendo:
«Desce depressa,
porque o teu povo, que tiraste da terra do Egipto, corrompeu-se.
Não tardaram em desviar-se do caminho que lhes tracei.
Fizeram um bezerro de metal fundido,
prostraram-se diante dele,
ofereceram-lhe sacrifícios e disseram:
‘Este é o teu Deus, Israel,
que te fez sair da terra do Egipto’».
O Senhor disse ainda a Moisés:
«Tenho observado este povo:
é um povo de dura cerviz.
Agora deixa que a minha indignação se inflame contra eles
e os destrua.
De ti farei uma grande nação».
Então Moisés procurou aplacar o Senhor seu Deus, dizendo:
«Por que razão, Senhor,
se há-de inflamar a vossa indignação contra o vosso povo,
que libertastes da terra do Egipto
com tão grande força e mão tão poderosa?
Lembrai-Vos dos vossos servos Abraão, Isaac e Israel,
a quem jurastes pelo vosso nome, dizendo:
‘Farei a vossa descendência tão numerosa
como as estrelas do céu
e dar-lhe-ei para sempre em herança
toda a terra que vos prometi’».
Então o Senhor desistiu do mal
com que tinha ameaçado o seu povo.
Palavra do Senhor.

LEITURA II 1 Tim 1, 12-17

«Cristo veio salvar os pecadores»

Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo a a Timóteo
Caríssimo:
Dou graças Àquele que me deu força,
Jesus Cristo, Nosso Senhor,
que me julgou digno de confiança
e me chamou ao seu serviço,
a mim que tinha sido blasfemo, perseguidor e violento.
Mas alcancei misericórdia,
porque agi por ignorância, quando ainda era descrente.
A graça de Nosso Senhor superabundou em mim,
com a fé e a caridade que temos em Cristo Jesus.
É digna de fé esta palavra
e merecedora de toda a aceitação:
Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores
e eu sou o primeiro deles.
Mas alcancei misericórdia,
para que, em mim primeiramente,
Jesus Cristo manifestasse toda a sua magnanimidade,
como exemplo para os que hão-de acreditar n’Ele,
para a vida eterna.
Ao Rei dos séculos, Deus imortal, invisível e único,
honra e glória pelos séculos dos séculos. Amen.
Palavra do Senhor.


EVANGELHO Lc 15, 1-32

«Haverá alegria entre os Anjos de Deus por um só pecador que se arrependa»

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo,
os publicanos e os pecadores
aproximavam-se todos de Jesus, para O ouvirem.
Mas os fariseus e os escribas murmuravam entre si, dizendo:
«Este homem acolhe os pecadores e come com eles».
Jesus disse-lhes então a seguinte parábola:
«Quem de vós, que possua cem ovelhas
e tenha perdido uma delas,
não deixa as outras noventa e nove no deserto,
para ir à procura da que anda perdida, até a encontrar?
Quando a encontra, põe-na alegremente aos ombros
e, ao chegar a casa,
chama os amigos e vizinhos e diz-lhes:
‘Alegrai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha perdida’.
Eu vos digo:
Assim haverá mais alegria no Céu
por um só pecador que se arrependa,
do que por noventa e nove justos,
que não precisam de arrependimento.
Ou então, qual é a mulher
que, possuindo dez dracmas e tendo perdido uma,
não acende uma lâmpada, varre a casa
e procura cuidadosamente a moeda até a encontrar?
Quando a encontra, chama as amigas e vizinhas e diz-lhes:
‘Alegrai-vos comigo, porque encontrei a dracma perdida’.
Eu vos digo:
Assim haverá alegria entre os Anjos de Deus
por um só pecador que se arrependa».
Jesus disse-lhes ainda:
«Um homem tinha dois filhos.
O mais novo disse ao pai:
‘Pai, dá-me a parte da herança que me toca’.
O pai repartiu os bens pelos filhos.
Alguns dias depois, o filho mais novo,
juntando todos os seus haveres, partiu para um país distante
e por lá esbanjou quanto possuía,
numa vida dissoluta.
Tendo gasto tudo,
houve uma grande fome naquela região
e ele começou a passar privações.
Entrou então ao serviço de um dos habitantes daquela terra
que o mandou para os seus campos guardar porcos.
Bem desejava ele matar a fome
com as alfarrobas que os porcos comiam,
mas ninguém lhas dava.
Então, caindo em si, disse:
‘Quantos trabalhadores de meu pai têm pão em abundância,
e eu aqui a morrer de fome!
Vou-me embora, vou ter com meu pai e dizer-lhe:
Pai, pequei contra o Céu e contra ti.
Já não mereço ser chamado teu filho,
mas trata-me como um dos teus trabalhadores’.
Pôs-se a caminho e foi ter com o pai.
Ainda ele estava longe, quando o pai o viu:
enchendo-se de compaixão,
correu a lançar-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos.
Disse-lhe o filho:
‘Pai, pequei contra o Céu e contra ti.
Já não mereço ser chamado teu filho’.
Mas o pai disse aos servos:
‘Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha.
Ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés.
Trazei o vitelo gordo e matai-o.
Comamos e festejemos,
porque este meu filho estava morto e voltou à vida,
estava perdido e foi reencontrado’.
E começou a festa.
Ora o filho mais velho estava no campo.
Quando regressou,
ao aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças.
Chamou um dos servos e perguntou-lhe o que era aquilo.
O servo respondeu-lhe:
‘O teu irmão voltou
e teu pai mandou matar o vitelo gordo,
porque ele chegou são e salvo’.
Ele ficou ressentido e não queria entrar.
Então o pai veio cá fora instar com ele.
Mas ele respondeu ao pai:
‘Há tantos anos que eu te sirvo,
sem nunca transgredir uma ordem tua,
e nunca me deste um cabrito
para fazer uma festa com os meus amigos.
E agora, quando chegou esse teu filho,
que consumiu os teus bens com mulheres de má vida,
mataste-lhe o vitelo gordo’.
Disse-lhe o pai:
‘Filho, tu estás sempre comigo
e tudo o que é meu é teu.
Mas tínhamos de fazer uma festa e alegrar-nos,
porque este teu irmão estava morto e voltou à vida,
estava perdido e foi reencontrado’».
Palavra da salvação.

Homilia do Pe. Antoine Coelho, LC

Hoje, a liturgia do domingo oferece-nos as parábolas “da misericórdia” do Evangelho de São Lucas. São chamadas assim porque retratam de forma magistral o amor de Deus para com os pecadores, ou seja, para com todos nós

Pensemos na parábola da ovelha perdida. Um pastor tem cem ovelhas e perde uma, então deixa as 99 para buscar a perdida. Encontrando-a desborda de alegria e comunica a boa notícia a todos os vizinhos. Assim é Deus, quando se converte um pecador, de tal forma que há mais alegria ncéu com um pecador arrependido que com 99 justos que se salvam.

Mas existe uma grande diferença entre Deus e o pastor, o que torna ainda mais digna de admiração a alegria de Deus com a conversão dos pecadores. O pastor usa as ovelhas como meios de subsistência, pelo que a perda de uma delas significa um prejuizio pessoal. Deus não nos necessita. O que lhe podemos dar que Ele não possua já? Por isso, a sua alegria é puramente desinteressada; alegra-se com a nossa conversão, porque esta conversão é boa, é óptima para nós. Mas, curiosamente, Ele que não ganha nada com isso, alegra-se mais com o nosso arrependimento que nós mesmos. Deus ama-nos mais que nós nos amamos a nós mesmos.

E depois existe um outro elemento interessante. A ovelha, que se perdeu, na realidade, não ofendeu o pastor. O pecador, que rejeita Deus na sua vida, realmente ofende Deus, como todo filho ofende seriamente o seu pai terreno, quando não lhe manifesta gratidão. No entanto, Deus que teria todas as razões do mundo para se afastar deste pecador que o insultou, não deixa nunca de ir detrás dele para ver se o pode salvar. Como é belo o amor de Deus!

Um exemplo histórico pode ilustrar esta verdade. Sabemos que o Papa Pio VII foi tratado de forma inaceitável por Napoleão Bonaparte. Este meteu-o na prisão em França onde permaneceu muito tempo e pressionou-o de muitos modos para conseguir que o Papa assinasse um concordato entre o Estado francés e a Igreja, que não favorecia a fé em França. Mas em 1815, depois da derrota de Waterloo, Napoleão foi desterrado à ilha de Santa Helena. Não somente ele, mas toda a sua família caiu em desgraça. De senhores da Europa, passaram a ser desprezados por todos. Quem os acolheu, quando já não encontravam apoios? Pio VII.

A parábola do Filho Pródigo é ainda mais eloquente no que se refere ao amor de Deus. Nesta história, o pai foi claramente ultrajado, com um filho a preferir os prazeres cínicos do mundo ao seu amor, tendo sido dilapidados, para além disso, com esta história, grande parte dos seus bens. Tendo finalmente chegado a uma situação de degradação total, ao ponto de nem sequer poder alimentar-se do que comiam os porcos que guardava, o filho decide voltar à casa. Mas fá-lo movido por um sentimento nobre? “Ofendi o meu pai, devo pedir-lhe desculpas!” Não, nada disso: tem a barriga vazia. Consciente da sua total falta de categoria, ele mesmo não espera mais que ser recibido como um criado e passar o resto dos seus dias assim.

E eis que seu pai o recebe de braços abertos, veste-o com uma túnica condizente com a sua condição de filho, põe-lhe um anel ao dedo, símbolo também da excelência do seu rango. E como se fosse pouco, organiza uma festa com os melhores preparativos possíveis. Mas, temos vontade de dizer, será que isso é o mais correcto? Será que se pode actuar assim, como se nada tivesse acontecido? Não será anti-educativo?

Certamente o filho terá de “pagar” por todos os erros que fez, dado que será doloroso desarraigar toda a colecção de vícios que acumulou. Uma purificação interior terá de se realizar pouco a pouco para que o seu coração experimente novamente a liberdade de amar e se libere da auto-idolatria. Mas o que é certo é que o abraço do pai, que não somente o acolhe em casa, mas sobre tudo no seu coração, é a atitude mais adequada para que o filho possa começar um processo de sanação. Mas, se ficarmos com esta constatação e não avançarmos mais, teremos compreendido bem pouco o pai.

O pai não acolhe o filho simplesmente porque essa é a atitude correcta, porque esta é parte, digamos, de uma táctica ou de uma técnica de reabilitação. Aqui temos muito mais do que isso: aqui temos o Mistério do Amor divino e redentor. O Mistério deste Amor que é como um fogo insaciável, que é como uma fonte incessante de perdão, para quem esteja disposto a acolher este perdão. Aqui temos a força deste Amor que apesar de ultrajado, triturado na cruz, esmagado pelo ódio, triunfa porque não pode deixar de amar. Mas assim como não pode deixar de amar, não pode forçar ninguém a acolhê-lo, precisamente porque é amor. E aqui aparece paradoxalmente a possibilidade do inferno, para todos aqueles que se fecham em si mesmos.

Então, neste sentido, o pai não pode fazer outra coisa que abraçar o filho quando ele chega, pois todo ele é amor. Perguntar se esta é a melhor atitude é como perguntar-se se o amor deve existir ou não: é uma pergunta sem sentido. O amor é mais forte que a morte e, por isso, não pode deixar de abraçar quem morreu, para o fazer ressuscitar, e isso sem considerar se foi personalmente ofendido ou não.

Tudo isso tem que nos dar muitíssima esperança. Nada como o amor de Deus para nos dar esperança e confiança. Nada do que fizemos de mal ou faremos terá necessariamente a última palavra sobre nós. E não o terá de certeza, a menos de que desconfiemos do amor de Deus. A mais alta santidade é, na sua raiz, uma questão de confiança. Quem confia no Seu Amor tudo pode. Mas então, nesse caso, posso permitir-me qualquer coisa, dado que, no fim de contas, se confio no amor de Deus, safo-me? Mas quem pensa assim, não ama verdadeiramente, porque realmente é mesquinho tratar desta forma quem tanto fez por nós. E se quem pensa assim não ama e se não faz, por isso, a experiência do amor, como há-de crer e confiar realmente no amor de Deus? O que eu me posso permitir, o que me devo permitir, é sempre ir ao encontro do Senhor, com um desejo sincero de mudar e com a inabalável esperança de que este amor será mais forte que as minhas trevas.

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