quinta-feira, 1 de julho de 2010

Domingo XIV do tempo comum, Ano C

LEITURA I Is 66, 10-14c
 

«Farei correr para Jerusalém a paz como um rio»

Leitura do Livro de Isaías
Alegrai-vos com Jerusalém,
exultai com ela, todos vós que a amais.
Com ela enchei-vos de júbilo,
todos vós que participastes no seu luto.
Assim podereis beber e saciar-vos
com o leite das suas consolações,
podereis deliciar-vos no seio da sua magnificência.
Porque assim fala o Senhor:
«Farei correr para Jerusalém a paz como um rio
e a riqueza das nações como torrente transbordante.
Os seus meninos de peito serão levados ao colo
e acariciados sobre os joelhos.
Como a mãe que anima o seu filho,
também Eu vos confortarei:
em Jerusalém sereis consolados.
Quando o virdes, alegrar-se-á o vosso coração
e, como a verdura, retomarão vigor os vossos membros.
A mão do Senhor manifestar-se-á aos seus servos».
Palavra do Senhor.

LEITURA II Gal 6, 14-18

«Por Ele o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo»

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Gálatas
Irmãos:
Longe de mim gloriar-me,
a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo,
pela qual o mundo está crucificado para mim
e eu para o mundo.
Pois nem a circuncisão nem a incircuncisão valem alguma coisa:
o que tem valor é a nova criatura.
Paz e misericórdia para quantos seguirem esta norma,
bem como para o Israel de Deus.
Doravante ninguém me importune,
porque eu trago no meu corpo os estigmas de Jesus.
Irmãos, a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo
esteja com o vosso espírito. Amen.
Palavra do Senhor.

EVANGELHO Lc 10, 1-12.17-20

«A vossa paz repousará sobre eles»

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo,
designou o Senhor setenta e dois discípulos
e enviou-os dois a dois à sua frente,
a todas as cidades e lugares aonde Ele havia de ir.
E dizia-lhes:
«A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos.
Pedi ao dono da seara
que mande trabalhadores para a sua seara.
Ide: Eu vos envio como cordeiros para o meio de lobos.
Não leveis bolsa nem alforge nem sandálias,
nem vos demoreis a saudar alguém pelo caminho.
Quando entrardes nalguma casa,
dizei primeiro: ‘Paz a esta casa’.
E se lá houver gente de paz,
a vossa paz repousará sobre eles;
senão, ficará convosco.
Ficai nessa casa, comei e bebei do que tiverem,
que o trabalhador merece o seu salário.
Não andeis de casa em casa.
Quando entrardes nalguma cidade e vos receberem,
comei do que vos servirem,
curai os enfermos que nela houver
e dizei-lhes: ‘Está perto de vós o reino de Deus’.
Mas quando entrardes nalguma cidade e não vos receberem,
saí à praça pública e dizei:
‘Até o pó da vossa cidade que se pegou aos nossos pés
sacudimos para vós.
No entanto, ficai sabendo:
Está perto o reino de Deus’.
Eu vos digo:
Haverá mais tolerância, naquele dia, para Sodoma
do que para essa cidade».
Os setenta e dois discípulos voltaram cheios de alegria, dizendo:
«Senhor, até os demónios nos obedeciam em teu nome».
Jesus respondeu-lhes:
«Eu via Satanás cair do céu como um relâmpago.
Dei-vos o poder de pisar serpentes e escorpiões
e dominar toda a força do inimigo;
nada poderá causar-vos dano.
Contudo, não vos alegreis porque os espíritos vos obedecem;
alegrai-vos antes
porque os vossos nomes estão escritos nos Céus».
Palavra da salvação.


Homilia do Pe. Antoine Coelho, LC


Quando lemos o Evangelho deste domingo, em que Cristo envia os 72 discípulos para anunciar a vinda do Senhor, sempre ficamos estupefactos com a simplicidade e com a força de graça que caracterizam esta missão.

Não devem levar nem bolsa, nem alforge, nem sandálias...O importante é que cristo seja levado, e no coração. Tampouco devem demorar-se durante o caminho a saudar as pessoas, a fim de evitarem a dispersão. A missão deve absorver as suas energias, para que seja eficaz, e não conversas de outra índole. É estranho também que, por um lado, Cristo avisa que são enviados como ovelhas no meio de lobos e, que por outro, parece não dar-lhes nenhum meio de defesa.

Na verdade, esta primeira missão deve servir de modelo para todas as futuras missões da história junto dos nossos irmãos que não conhecem ou que conhecem pouco o Senhor. Os meios humanos contam pouco aos olhos de Cristo. Claro: eles têm a sua parte, mas uma leitura sincera do texto mostra com toda a clareza que Cristo parece rebaixá-los o mais que pode. Todo o sucesso da missão deve repousar no poder de Deus, que os apóstolos devem levar no seu interior como frágeis vasos humanos.

Por isso, evangelizar é, por um lado, o que existe de mais fácil no mundo e, ao mesmo tempo, o que existe de mais difícil. Para quem tem realmente Deus no coração, porque vive para Deus, trata-se de uma actividade tão natural como respirar. Mas aí está: é preciso viver para Deus. Quem ainda não vive para Deus poderá mexer-se à direita e à esquerda, fazer muitas coisas, levantar muito pó, pensar e pensar e pensar para encontrar caminhos de evangelização, tudo será inútil. Conseguirá uns quantos resultados, mas tudo será ainda muito humano e, por isso, escasso. Faria melhor de se mexer menos e rezar mais, contemplar mais, pedir a Deus que lhe indique as vias para a evangelização, e aprender a desprender-se das coisitas fúteis que nos rodeiam. Como pode pensar ajudar os seus irmãos a vencer os ídolos do mundo, quando estes ainda vivem no seu coração?

Por isso, é tão importante, ao meu ver, meditar sobre estas palavras de Paulo na primeira carta aos Coríntios: “não os anunciei Cristo com a sabeduria dos homens, mas com Espírito Santo e com poder”. A sabeduria dos homens, ou seja, os meios humanos, não são decisivos, mas a acção de Deus através do instrumento humano. Um exemplo mais perto de nós é São Paulo da cruz, fundador dos passionistas, junto com outros companheiros. Como fazia ele e os seus companheiros para evangelizar? Nada mais simples. No monte Argentario, em Itália, oravam intensamente e viviam desprendidos das coisas mundanas. Ao descerem às cidades para anunciar Cristo, as suas missões eram sempre um sucesso imparável, pois o Espírito Santo e o poder de Deus os acompanhava de forma palpável.

A esta luz, também, podemos entender as afirmações de São Paulo na segunda leitura: “longe de mim gloriar-me, a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo. Pois nem a circuncisão nem a incircuncisão valem alguma coisa: o que tem valor é a nova criatura”. Por outras palavras, o que conta aos olhos de Deus não são as tradições humanas, as acções, a circuncisão ou a incircuncisão. Certamente têm o seu valor, mas o decisivo é a “nova criatura”, ou seja, é a transformação interior do homem, pela qual do seu coração brotam rios de água viva, que são uma imagem do Espírito Santo derramado por Deus sem medida quando encontra uma alma crucificada.

Voltando ao Evangelho, nele Cristo indica o conteúdo básico do anúncio. Será algo complicado, algo que necessite um grande conhecimento da doutrina? Nem por sombras. Devem saúdar primeiro com estas palavras: “paz a esta casa”. E depois anunciar que: “o Reino de Deus está perto de vós”. Evangelizar significa fundamentalmente, segundo esta perspectiva, transmitir a paz de Cristo e mostrar a proximidade do Reino de Deus, ou seja, mostrar que Deus está perto de nós e está a actuar. Por isso, o mais importante para os evangelizadores é serem interiormente transformados por Deus, estar cheios de sua paz, para que, quem os veja, veja Deus.

Numa viagem de avião, certa vez, encontrei um jovem brasileiro que se sentou ao meu lado. Sem dúvida, tratava-se de uma pessa de boa vontade, com muitas qualidades e sinceros desejos de fazer o bem. Tinha, no entanto, muitas dúvidas de fé. Contou-me também experiências esotéricas, nas quais parecia manifestar-se a presença de grandes poderes. Então falei da minha experiência religiosa e como a fé em Cristo tinha-me enchido o coração de paz. Abriu muito os olhos. A paz! Vira muita coisa impressante e emocionante na esfera religiosa, mas algo que nunca achara fora a paz. Então começou a despontar nele um novo interesse pela fé, ao ponto que no fim da viagem tinha tomado a resolução de buscar um sacerdote na sua cidade natal, que lhe pudesse ensinar este “caminho da paz”.

Sim: a paz é uma realidade que somente Deus pode transmitir. Quando ela falta nas nossas vidas, é porque nos falta Deus. E onde ela falta, a nossa capacidade evangelizadora encontra-se bastante comprometida. Se, como nos ensina Cristo, parte essencial da nossa missão é dar a paz! Como damos o que não possuimos?

Obviamente, é de grande importância, conhecer com profundidade a sua fé, ter conteúdos para transmitir. Isso ajuda muito, muitíssimo até. Mas não nos enganemos: não é nisso que reside o essencial da força apostólica. Não é por acaso que Cristo, ao retornarem dos discípulos da missão, confia-lhes essa verdade: “Eu via Satanás cair do céu como um relâmpago. Dei-vos poder de pisar serpentes e escorpiões e dominar toda a força do inimigo”.

Detrás do cenário em que se moviam os enviados e em que exortavam os seus ouvintes existia outra realidade, a de um combate invisível, espiritual contra as forças do mal. São elas realmente que “tapam” os corações, que os cubrem com trevas que não lhes deixa enxergar com lucidez a verdade de Deus, enchendo-os de medo, de cepticismo e de falsas desculpas para não ser generosos com Deus. Somente o vento de Deus pode afastar estas nuvens. Às vezes podemos centrar a nossa atenção na boa organização da actividade apostólica, no nosso trabalho pessoal de promoção de eventos, na nosso metodologia professional, na capacidade de eloquência, etc., como se estas fossem as chaves que abrem os corações. Embora estes elementos sejam necessários, é bom recordar que é Deus, só Deus, a livrar-nos do mal e que se não conseguimos, por Ele, uma vitória espiritual contra as forças do mal, estamos a “dar golpes no ar”.

Fundar a nossa vida em Deus e na oração é mais que nunca urgente. A Igreja viveu horas realmente amargas neste ano sacerdotal e elas ainda não passaram. Seguindo a lógica humana, diriamos que a missão deveria ficar congelada por um tempo. No entanto, desde a oração, Deus sussura incomprensivelmente no nosso coração o que encontramos na primeira leitura, do profeta Isaías: “Alegrai-vos com Jerusalém, exultai com ela, todos vós que a amais [...] Porque assim fala o Senhor. Farei correr para Jerusalém a paz como um rio e a riqueza das nações como torrente transbordante. Como a mãe que anima o seu filho, também Eu vos confortarei: em Jerusalém sereis consolados”. Alegremo-nos, sim, porque tal como a dois mil anos Cristo vai connosco na missão e dá, a todos os que acreditam n’Ele e fundem n’Ele toda a sua força, “o poder de pisar serpentes e escorpiões e dominar toda a força do inimigo”.

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