quinta-feira, 4 de março de 2010

Domingo III da Quaresma, Ano C

LEITURA I Ex 3, 1-8a.13-15

«O que Se chama ‘Eu sou’ enviou-me a vós»

Leitura do Livro do Êxodo
Naqueles dias,
Moisés apascentava o rebanho de Jetro,
seu sogro, sacerdote de Madiã.
Ao levar o rebanho para além do deserto,
chegou ao monte de Deus, o Horeb.
Apareceu-lhe então o Anjo do Senhor
numa chama ardente, do meio de uma sarça.
Moisés olhou para a sarça, que estava a arder,
e viu que a sarça não se consumia.
Então disse Moisés: «Vou aproximar-me,
para ver tão assombroso espectáculo:
por que motivo não se consome a sarça?»
O Senhor viu que ele se aproximava para ver.
Então Deus chamou-o do meio da sarça:
«Moisés, Moisés!»
Ele respondeu: «Aqui estou!»
Continuou o Senhor:
«Não te aproximes daqui.
Tira as sandálias dos pés,
porque o lugar que pisas é terra sagrada».
E acrescentou: «Eu sou o Deus de teu pai,
Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacob».
Então Moisés cobriu o rosto,
com receio de olhar para Deus.
Disse-lhe o Senhor:
«Eu vi a situação miserável do meu povo no Egipto;
escutei o seu clamor provocado pelos opressores.
Conheço, pois, as suas angústias.
Desci para o libertar das mãos dos egípcios
e o levar deste país para uma terra boa e espaçosa,
onde corre leite e mel».
Moisés disse a Deus:
«Vou procurar os filhos de Israel e dizer-lhes:
‘O Deus de vossos pais enviou-me a vós’.
Mas se me perguntarem qual é o seu nome,
que hei-de responder-lhes?»
Disse Deus a Moisés:
«Eu sou ‘Aquele que sou’».
E prosseguiu:
«Assim falarás aos filhos de Israel:
O que Se chama ‘Eu sou’ enviou-me a vós».
Deus disse ainda a Moisés:
«Assim falarás aos filhos de Israel:
‘O Senhor, Deus de vossos pais,
Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacob,
enviou-me a vós.
Este é o meu nome para sempre,
assim Me invocareis de geração em geração’».
Palavra do Senhor.

LEITURA II 1 Cor 10, 1-6.10-12


A vida do povo com Moisés no deserto foi escrita para nos servir de exemplo

Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios
Irmãos:
Não quero que ignoreis
que os nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem,
passaram todos através do mar
e na nuvem e no mar,
receberam todos o baptismo de Moisés.
Todos comeram o mesmo alimento espiritual
e todos beberam a mesma bebida espiritual.
Bebiam de um rochedo espiritual que os acompanhava:
esse rochedo era Cristo.
Mas a maioria deles não agradou a Deus,
pois caíram mortos no deserto.
Esses factos aconteceram para nos servir de exemplo,
a fim de não cobiçarmos o mal,
como eles cobiçaram.
Não murmureis, como alguns deles murmuraram,
tendo perecido às mãos do Anjo exterminador.
Tudo isto lhes sucedia para servir de exemplo
e foi escrito para nos advertir,
a nós que chegámos ao fim dos tempos.
Portanto, quem julga estar de pé
tome cuidado para não cair.
Palavra do Senhor.

EVANGELHO Lc 13, 1-9


«Se não vos arrependerdes, morrereis do mesmo modo»

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

Naquele tempo,
vieram contar a Jesus
que Pilatos mandara derramar o sangue de certos galileus,
juntamente com o das vítimas que imolavam.
Jesus respondeu-lhes:
«Julgais que, por terem sofrido tal castigo,
esses galileus eram mais pecadores
do que todos os outros galileus?
Eu digo-vos que não.
E se não vos arrependerdes,
morrereis todos do mesmo modo.
E aqueles dezoito homens,
que a torre de Siloé, ao cair, atingiu e matou?
Julgais que eram mais culpados
do que todos os outros habitantes de Jerusalém?
Eu digo-vos que não.
E se não vos arrependerdes,
morrereis todos de modo semelhante.
Jesus disse então a seguinte parábola:
«Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha.
Foi procurar os frutos que nela houvesse,
mas não os encontrou.
Disse então ao vinhateiro:
‘Há três anos que venho procurar frutos nesta figueira
e não os encontro.
Deves cortá-la.
Porque há-de estar ela a ocupar inutilmente a terra?’
Mas o vinhateiro respondeu-lhe:
‘Senhor, deixa-a ficar ainda este ano,
que eu, entretanto, vou cavar-lhe em volta e deitar-lhe adubo.
Talvez venha a dar frutos.
Se não der, mandá-la-ás cortar no próximo ano».
Palavra da salvação.

Homilia Pe. Antoine Coelho, LC
Domingo III da Quaresma

A liturgia deste terceiro domingo de Quaresma oferece-nos uma passagem do Evangelho que interpela fortemente a nossa responsabilidade. Tudo começa com uma pergunta dos apóstolos a Cristo: não será que os galileus que foram massacrados por Pilatos, padeceram desta forma, porque eram mais pecadores que os outros?

Cristo insurge-se contra esta visão das coisas. O destino dos homens sobre a terra está ligado ao mistério da Vontade divina, cuja compreensão sempre estará fora do nosso alcance. Não a podemos interpretar de forma tão linear. De facto, parece ser que, recentemente, um pastor americano terá defendido que o terramoto em Haiti era fruto de práticas mágicas nesta ilha. Creio que o Evangelho de hoje nos dá a melhor resposta a este tipo de afirmações.

Mas Cristo não se limita a dar uma negativa. Chama a atenção dos apóstolos para o facto de que eles não devem perder o seu tempo a conjecturar se tal ou qual pessoa era pecadora, mas devem pensar na própria conversão. “Se não vos arrependerdes, morrereis todos do mesmo modo”. Madre Teresa de Calcutá costumava dizer que o tempo empregado em criticar uma pessoa, era tempo perdido para rezar por essa pessoa. Também recordava às suas religiosas que, quando criticávamos, perdíamos de vista que éramos os primeiros a necessitar do perdão de Deus. O trabalho por dominar a língua poderia ser um bom propósito para esta Quaresma. Às vezes, podemos pensar que o tipo de sacrifícios requeridos para este tempo de penitência é sobretudo físico. Não, antes pelo contrário. É o espírito que deve mudar. E mudando, muda todos os que o rodeiam.

Recentemente um jovem francês redigiu uma colectânea integrando grande parte dos apostolados que se fazem no seu país. Pelos vistos, não lhes falta imaginação aos católicos franceses, quando se trata de evangelizar, pois a lista era extensa. Entrevistado, perguntaram ao jovem, qual era na sua opinião o que transformaria de novo a França num país católico. Realmente, ele tinha visto e estudado muitos apostolados. Podia ter mencionado alguns deles, que tinham sido muito bem sucedidos. Mas não hesitou na resposta: o que transformará a França é a caridade dos católicos. Sim, o que transformará o mundo é o amor com que nos amemos uns aos outros.

Como é importante recordar que a nossa conversão diária ao cristianismo é uma conversão ao amor, a um amor que se deve viver da forma mais concreta no dia-a-dia. Só Deus saberá o que vale um simples sorriso quando o estado de ânimo é totalmente contrário! Mas seguramente valerá muito aos Seus olhos.

Cristo, como é costume, não se limita a dar aos apóstolos uma resposta teórica. Conta uma parábola. Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha. Depois de três anos, não dava ainda fruto, pelo que decidira já cortá-la. Mas aí intervém o vinhateiro: “Senhor, deixa-a ficar ainda este ano, que eu entretanto, vou cavar-lhe em volta e deitar-lhe adubo. Talvez venha a dar fruto. Se não der, mandá-la-ás cortar no próximo ano”.

A lição de Cristo situa-se a dois níveis nesta parábola. Em primeiro lugar, o tempo da conversão não é infinito, e, por isso, todos nós devemos buscá-la agora, hoje, dado que não sabemos o que sucederá amanhã. Na parábola, esperou-se três anos. O número “três” não é casual: indica plenitude. Já a conversão devia ter-se produzido se a pessoa, que a figueira simboliza, tivesse mostrado um mínimo de boa vontade. Ou seja, ela parece ter optado definitiva pelo egoísmo: o “pedaço de terra” que ela ocupa é só para ela, não produz frutos para os outros. Recusa o mundo no qual ela mesma está enraizada, um mundo criado para o amor, para a partilha, aproveitando a paciência e o amor dos outros somente para si. Por isso, não tem sentido que permaneça nele.

Na parábola, a figueira está aparentemente condenada, mas eis que surge o factor que pode dar a volta à situação, e aqui chegamos ao segundo ponto da lição. Aparece o vinhateiro que encarna uma atitude totalmente oposta à dos apóstolos, quando estes julgavam os galileus massacrados por Pilatos. Consideram estes galileus “de longe”, como se nada ou pouco os unisse a eles. Interessa-lhes o seu pecado, movidos pela curiosidade, como um estudioso se interessaria por um objecto que não o toca pessoalmente. Em poucas palavras, o seu coração ainda não foi transformado interiormente por Cristo.

O vinhateiro, pelo contrário, não tem tempo para este tipo de considerações teóricas ou de simples curiosidade: quer salvar a figueira. Sim, ela foi egoísta, mesquinha e não merece favores. Mas, o que ela merece ou deixa de merecer é-lhe absolutamente secundário: ela tem de ser salvada. Apenas isso conta para ele. É como uma mãe que não deixa de fazer tudo o que pode pelo filho, ainda que este seja o maior pecador do mundo. Por isso, o vinhateiro, que, no fundo, representa Cristo, encarna o modelo para toda conversão, encarna o homem para quem ninguém é indiferente, porque todos têm lugar no seu coração.

Existe assim um primeiro nível de conversão requerido, simbolizado pela figueira, a qual deve deixar de viver para si mesma e deve pôr-se a caminho sem hesitações. “O tempo é breve”, anunciava Cristo, quando pregava o Reino de Deus. “Convertam-se!” Sim, ainda que tenha anos de vida diante de si, o tempo do pecador é sempre demasiado curto para o nosso Deus, que, com entranhas de mãe, não pode sofrer vê-lo perdido para sempre.

Mas Cristo quer propor aos seus apóstolos um segundo nível de conversão. Trata-se do nível realmente cristão, porque é o nível de Cristo. Consiste em formar em si um coração misericordioso e generoso, desejoso ardentemente de conseguir a salvação dos irmãos. A conversão do homem não é plena, se não busca ardentemente a conversão do próximo em dificuldade. Mas não é um desejo vão ou inútil. Cristo diz-nos claramente nesta parábola que a acção do homem zeloso pode conseguir a salvação daquele que, de outro modo, estaria perdido.

Há algo mais importante que isso na vida: ser pescador de homens? E não se precisa vestir uma batina para sê-lo, está ao alcance de todo homem de boa vontade. Basta fazer tudo por amor, buscando a vontade de Deus em tudo, o que implicará não ter medo de anunciar a Palavra. Obviamente isso requer uma vida de oração, que nos permita conhecer, por “experiência interior”, o amor de Deus. Quem tenha sido tocado por esse fogo que nos seduz sentirá espontaneamente um desejo irresistível de ir ao encontro do próximo. O vinhateiro terá de cavar ao redor da figueira, deitar-lhe adubo, cuidá-la todo um ano. Se lhe perguntarem se todo esse trabalho lhe custa, talvez os mire com estranheza e lhes responda simplesmente: “Mas faço isso por amor”.

Rezemos muito uns pelos outros, para que esse amor divino seja a nossa experiência nesta Quaresma e não se limite a ser uma bela ideia, mas algo vivo e real, algo tão forte, que não podamos deixar de comunicá-lo. Como diz o profeta Jeremias ao respeito da Palavra de Deus, “havia em meu coração como um fogo devorador, encerrado em meus ossos e ainda que eu buscasse afogá-lo, não podia”.

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