sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Domingo II da Quaresma

LEITURA I Gen 15, 5-12.17-18


Deus estabelece a aliança com Abraão

Leitura do Livro do Génesis
Naqueles dias,
Deus levou Abrão para fora de casa e disse-lhe:
«Olha para o céu e conta as estrelas, se as puderes contar».
E acrescentou:
«Assim será a tua descendência».
Abrão acreditou no Senhor,
o que lhe foi atribuído em conta de justiça.
Disse-lhe Deus:
«Eu sou o Senhor
que te mandou sair de Ur dos caldeus,
para te dar a posse desta terra».
Abrão perguntou:
«Senhor, meu Deus,
como saberei que a vou possuir?»
O Senhor respondeu-lhe:
«Toma uma vitela de três anos,
uma cabra de três anos e um carneiro de três anos,
uma rola e um pombinho».
Abrão foi buscar todos esses animais,
cortou-os ao meio
e pôs cada metade em frente da outra metade;
mas não cortou as aves.
Os abutres desceram sobre os cadáveres,
mas Abrão pô-los em fuga.
Ao pôr do sol,
apoderou-se de Abrão um sono profundo,
enquanto o assaltava um grande e escuro terror.
Quando o sol desapareceu e caíram as trevas,
um brasido fumegante e um archote de fogo
passaram entre os animais cortados.
Nesse dia, o Senhor estabeleceu com Abrão uma aliança,
dizendo:
«Aos teus descendentes darei esta terra,
desde o rio do Egipto até ao grande rio Eufrates».
Palavra do Senhor.

LEITURA II Filip 3, 17 -- 4,1

Cristo nos transformará à imagem do seu corpo glorioso

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Filipenses
Irmãos:
Sede meus imitadores
e ponde os olhos naqueles
que procedem segundo o modelo que tendes em nós.
Porque há muitos,
de quem tenho falado várias vezes
e agora falo a chorar,
que procedem como inimigos da cruz de Cristo.
O fim deles é a perdição:
têm por deus o ventre,
orgulham-se da sua vergonha
e só apreciam as coisas terrenas.
Mas a nossa pátria está nos Céus,
donde esperamos, como Salvador, o Senhor Jesus Cristo,
que transformará o nosso corpo miserável,
para o tornar semelhante ao seu corpo glorioso,
pelo poder que Ele tem
de sujeitar a Si todo o universo.
Portanto, meus amados e queridos irmãos,
minha alegria e minha coroa,
permanecei firmes no Senhor.
Palavra do Senhor.


EVANGELHO Lc 9, 28b-36

«Enquanto orava, alterou-se o aspecto do seu rosto»

Naquele tempo,
Jesus tomou consigo Pedro, João e Tiago
e subiu ao monte, para orar.
Enquanto orava,
alterou-se o aspecto do seu rosto
e as suas vestes ficaram de uma brancura refulgente.
Dois homens falavam com Ele:
eram Moisés e Elias,
que, tendo aparecido em glória,
falavam da morte de Jesus,
que ia consumar-se em Jerusalém.
Pedro e os companheiros estavam a cair de sono;
mas, despertando, viram a glória de Jesus
e os dois homens que estavam com Ele.
Quando estes se iam afastando,
Pedro disse a Jesus:
«Mestre, como é bom estarmos aqui!
Façamos três tendas:
uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias».
Não sabia o que estava a dizer.
Enquanto assim falava,
veio uma nuvem que os cobriu com a sua sombra;
e eles ficaram cheios de medo, ao entrarem na nuvem.
Da nuvem saiu uma voz, que dizia:
«Este é o meu Filho, o meu Eleito: escutai-O».
Quando a voz se fez ouvir, Jesus ficou sozinho.
Os discípulos guardaram silêncio
e, naqueles dias, a ninguém contaram nada do que tinham visto.
Palavra da salvação.

Homilia Pe. Antoine Coelho, LC

Domingo II da Quaresma

Quem ler a liturgia deste segundo domingo de Quaresma pode ficar surpreendido. Neste período de purificação e de preparação para a Pascoa porquê escolheu-se a passagem da transfiguração? A Transfiguração fala-nos da glória de Cristo, da luz que Ele reserva aos eleitos. Não deveríamos falar agora de sacrifício? Claro que a Quaresma é tempo de sacrifício, mas recordemos que o sacrifício só tem sentido em ordem à glória.

Sacrificar-se por sacrificar-se é doentio. Sacrificar-se em ordem ao triunfo de Deus e dos eleitos é amor. Quem na Quaresma não tem os olhos postos na luz futura, quem o faz com profunda tristeza e angústia, não faz realmente um sacrifício cristão. O sacrifício, como Deus o quer, deve ser forçosamente alegre, imerso na paz, mesmo se às vezes esta alegria e esta paz somente aparecem numa dimensão profunda, enquanto tudo o resto da nossa vida anda às cambalhotas.

A passagem da Transfiguração está relacionada com a primeira leitura – do livro do Génesis – na qual o autor sagrado nos apresenta a promessa de Deus a Abraão. É um texto tão denso de significado e tão rico, que vale a pena dedicar-lhe o resto da homilia, sempre à luz da glória que aparece no Evangelho, dado que esta última é o cumprimento da promessa feita a Abraão, pai de todos os crentes.

Em primeiro lugar, Deus leva Abraão para fora de casa e pede-lhe olhar para o céu. É como se lhe dissesse: “Sai de ti mesmo! Olha o céu que é obra do poder do teu Deus!” Sim, Deus mostra-lhe a sua grande obra estrelada e, à sua luz, revela-lhe a grande obra que, a sua vez, deseja realizar com o pai dos crentes. Ele, que multiplicou quase infinitamente as estrelas, não pode realizar algo parecido com a descendência de Abraão? Tenhamos em conta que Abraão é já avançado em idade e não tem filhos. No mundo semítico daquela época, quem não tivesse filhos não tinha futuro, porque ninguém podia dar continuidade ao nome. Do ponto de vista humano, Abraão não tem futuro. Encontra-se na situação perfeita para que Deus mostre o seu poder, Ele que ama os pequenos e se compadece dos desfavorecidos e rejeitados.

Abraão acreditou na promessa. Isto é fundamental. Sem este acto, nada teria sido possível, pois Deus, que ama os homens e, por isso, não os violenta, teria ficado com as mãos atadas. Abraão tinha muitos bons motivos para não acreditar, excelentes motivos humanos. Com efeito, Deus não lhe oferecera mais que promessas e eram promessas tão gigantescas…

Mas Deus não se limita a fazer-lhe promessas. De algum modo dá-lhe um nome, o que tem muito valor no mundo antigo, porque o nome revela a pessoa. Eis o nome que o identifica: “Eu sou o Senhor que te mandou sair de Ur dos caldeus, para te dar a posse deste terra”. Então, o que é que caracteriza este Deus? É que ele faz Abraão sair da sua terra para lhe dar uma outra. Como sabemos, na mentalidade antiga os deuses eram ligados aos lugares, mas esse Deus, o Deus verdadeiro, que interpela Abraão, não depende de lugares, está acima deles. Antes pelo contrário, vai ao encontro dos homens aí mesmo onde vivem e dá-lhes novos lugares onde podem viver. No fundo, libera o homem do lugar onde se encontra confinado, e mais profundamente ainda, libera o homem de si mesmo. Este é o nome que implicitamente Deus dá de si mesmo a Abraão: eu sou Aquele que pode liberar o homem. Quando chegar a plenitude dos tempos e Deus se encarnar, não nos dará de facto outro nome: Jesus quer dizer “Deus salva”.

Mas surgem dúvidas em Abraão. Ele acreditou, foi generoso, mas ser uma pobre criatura frágil e limitada implica também altos e baixos: “Senhor, meu Deus, como saberei que a vou possuir, esta terra?” A resposta de Deus pode parecer-nos estranha à primeira vista. Manda-lhe oferecer um sacrifício. Mas na verdade, se pensarmos bem, as respostas às nossas dúvidas, não as encontramos muitas vezes no culto, durante as celebrações eucarísticas, por exemplo, onde a comunhão com o Senhor é máxima? E depois, o sacrifício preparado por Abraão é, em si, muito significativo. Trata-se na verdade de um pacto. Isto vê-se, porque cortaram-se ao meio os animais a serem oferecidos e foram postas cada metade em frente da outra metade.

No mundo semítico antigo, quando dois reis faziam um pacto, cortavam precisamente os animais pelo meio e cada um ia passando entre os pedaços de animais exclamando: “Se eu não for fiel ao pacto, que me aconteça como a estes animais”. Mas o que é curioso no pacto realizado com Deus, é que Abraão não passa entre os pedaços. Com efeito, “apoderou-se de Abraão um sono profundo […] Quando o sol desapareceu e caíram as trevas, um brasido fumegante e um archote de fogo passaram entre os animais cortados”. Sim, quem passou entre os animais foi Deus, simbolizado pelo fogo, mas não Abraão. E isso é muito importante: Abraão sabe que as promessas de Deus se vão cumprir, porque o pacto feito com Deus é unicamente uma iniciativa de Deus, é somente Deus a dar a sua palavra, é unicamente sobre ele que repousam as promessas.

Quem, por exemplo, se escandaliza com o passado da Igreja, ou mesmo, com situações mais recentes no seu seio, deveria meditar sobre isso. Deus abençoa a Igreja e continuará a abençoá-la até ao fim dos tempos, conforme a promessa de Cristo, mas não o fará pelos méritos dela. Fá-lo-á porque Ele se comprometeu com a própria Palavra. Claro que com isso não queremos dizer que a nível pessoal pouco importa o que fazemos, Deus nos salvará. Não. Deus não nos salvará sem a nossa cooperação. Mas sabemos que a Igreja é uma rocha que se manterá sempre firme e que o seu valor não repousa nela mesma.

Assim, Abraão pode ter fé no futuro, porque este futuro repousa inteiramente sobre Deus, e não sobre os homens ou sobre si mesmo. Abraão deverá continuar a acreditar e a avançar com fé e docilidade, sabendo que Deus abre os caminhos. Como muda a vida, quando se vive assim! O que ele tem de fazer é deixar Ur dos caldeus e não olhar para trás. A este propósito é bom recordar o que sucedeu à esposa de Lot, quando este deixou Sodoma. Olhou para trás! Ou seja, deixara o coração neste lugar, e por isso transformou-se numa estátua de sal. Tornou-se incapaz de avançar com Deus e de merecer as promessas, ficando o seu progresso espiritual paralisado.

A nós, Deus ofereceu-nos um sinal incomparavelmente mais explícito de que cumpriu e continuará a cumprir as suas promessas. Chama-me muito a atenção o facto de que São João evangelista mencione, no seu relato da Paixão de Cristo, que os soldados romperam as pernas dos dois ladrões crucificados com Ele. “Mas ao chegarem a Jesus, como o viram já morto, não lhe romperam as pernas […] E tudo isso sucedeu para que se cumprira a Escritura: não lhe quebrará nenhum osso”. Porquê falta de romper ou não romper pernas, quando o Senhor está já morto? Não é detalhe insignificante a estas alturas? Mas é que ao Senhor, não lhe podia suceder o mesmo que aos animais cortados no sacrifício de Abraão. Com isso a Escritura mostra-nos que, em Cristo crucificado, Deus cumpriu as promessas. Cumpriu o que prometera a Abraão quando passara entre os animais sob a forma do fogo! Em Aquele que está pendurado para o perdão dos nossos pecados deve residir toda a nossa fé e esperança. N’Ele torna-se evidentemente que é o amor infinito de Deus a querer levar-nos à Terra Prometida, à Jerusalém Celeste, com a condição de que como Abraão não deixemos nada em Ur dos caldeus, fiéis ao chamado de Deus que nos fala pela Igreja.

Como diz São Paulo, na segunda leitura, “a nossa pátria está nos céus onde esperamos, como Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que transformará o nosso corpo miserável, para o tornar semelhante ao seu Corpo glorioso”. Que esta seja a luz que nos ilumine neste caminho quaresmal, ao longo do qual queremos deixar de ter o coração posto nas coisas que passam.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Recolha de bens para a Madeira

Passamos um e-mail geral que recebemos hoje:

Campanha de recolha de bens essenciais para a envio para a Madeira:

A partir do dia 23/ Fevereiro, os CTT vão lançar uma campanha nacional de recolha de bens essenciais para envio para a Madeira, no âmbito do seu Programa de Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social, com aceitação em todas as 900 Estações de Correio do País. Basta a qualquer pessoa dirigir-se a uma Estação de Correios, pedir a caixa solidária grátis, enchê-la com os bens e marcar como destinatário a palavra MADEIRA. Não é preciso selo nem mais morada e o envio é grátis. Os CTT tratam de entregar os bens.

A Instituição destinatária será a Caritas da Madeira que já informou que estavam a precisar principalmente dos seguintes produtos/bens:
- Lençóis
- Cobertores
- Mantas
- Almofadas
- Roupa interior (H/ S e criança)
- Roupa em geral
- Produtos de higiene
- Fraldas
- Leite em pó
- Comida para bebé
- Enlatados

Alguma dúvida, entre em contacto com uma estação de Correios perto de si.

A equipa,
Homilias e Orações

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Pio XII em auxílio dos judeus

Já tem algum tempo este texto, mas para quem não teve conhecimento está a sua transcrição:

A "prova viva" da existência da rede clandestina de Pio XII em auxílio dos judeus

Entrevista com um de seus membros, o padre Giancarlo Centioni

Por Jesús Colina

ROMA, quinta-feira, 14 de janeiro de 2010 (ZENIT.org).- Alguns setores da opinião pública têm pedido, em semanas recentes, provas da ajuda oferecida por Pio XII aos judeus durante a perseguição nazista. O sacerdote italiano Giancarlo Centioni, 97 anos, é uma das provas vivas, já que é o último membro vivo da rede clandestina criada pelo Papa Pacelli.

Entre 1940 a 1945, Centioni foi capelão militar em Roma na Milícia Voluntária pela Segurança Nacional, tendo vivido com sacerdotes alemães da Sociedade do Apostolado Católico. “Na condição de capelão fascista, era mais fácil para mim ajudar os judeus ", disse ele, explicando por que foi escolhido para participar da arriscada operação.

“Meus colegas sacerdotes palotinos provenientes de Hamburgo tinham fundado uma sociedade denominada "Verein Rafael '(Society of San Raffaele), criada para prestar auxílio aos judeus", revelou.

Um dos objetivos da rede era dar suporte à fuga de judeus da Alemanha, através da Itália, em
direção à Suíça ou Portugal, motivo pelo qual a rede contava com membros nos quatro países.

Na Alemanha, lembra o padre Centioni, a sociedade era dirigida pelo padre Josef Kentenich, conhecido em todo o mundo como o fundador do Movimento Apostólico de Schönstatt.

Posteriormente, este sacerdote acabou sendo preso e mantido num campo de concentração até o final da guerra.

“Em Roma, o líder de todas estas atividades era o padre Anton Weber, o qual tinha contato direto com Pio XII e sua secretaria”, explicou.

Uma das principais atividades da rede consistia em obter passaportes para que as famílias judias pudessem deixar a Alemanha.

“Estes passaportes eram obtidos diretamente da Secretaria de Estado de Sua Santidade, pela intervenção direta do próprio Pio XII”, acrescentou.

“Comigo atuavam ao menos 12 sacerdotes alemães em Roma”, prosseguiu o padre, explicando que a rede recebia também uma ajuda decisiva da polícia, em particular do chefe adjunto de Mussolini, Romeo Ferrara, que lhe informava o local onde estavam escondidas as famílias judias para que pudessem levar os passaportes " – “mesmo à noite”.

Padre Centioni lembra uma dessas ocasiões, em que o policial o enviou durante a noite, advertindo-o para ir vestido com os trajes de Capelão para que “não fosse preso por soldados alemães”, a uma casa na qual estava escondida uma família judia de nome Bettoja.

O sacerdote diz lembrar “nitidamente” do medo e das dificuldades na operação, inclusive por parte das famílias que ajudava. “Bati à porta, mas não quiseram abrir. Disse então que não temessem, pois era um capelão e vinha para ajudar, para trazer os passaportes”; “juro, vocês podem ver através do olho-mágico da porta”, e então foi finalmente recebido pela senhora Bettoja com as crianças.

“Disse a ela: saiam amanhã antes das 7 em seu automóvel, porque às 7 poderão cruzar a fronteira pelo Lácio em direção a Gênova”. Fugiram e se salvaram. “Foi uma das tantas famílias”, disse.

As atividades da rede se iniciaram antes mesmo da invasão alemã na Itália, lembra o padre Centioni, e prolongou-se "até onde eu sei, até depois de 45, porque as relações do padre Weber com o Vaticano e os judeus eram muito vivas”.

"Entre aqueles que posteriormente colaboraram conosco, havia dois judeus que escondemos: um homem de letras, (Melchiorre) Gioia, e um grande músico e compositor de Viena, autor de canções e operetas, Erwin Frimm”.

“Todas pessoas de coragem”, disse. “Nos ajudaram muito com informações precisas” - reconheceu” – “mesmo colocando sua própria vida em risco”.

“Ajudei Ivan Basilius, um espião russo, que eu não sabia que era russo nem espião; era judeu. Foi preso pela SS e nas revistas, encontraram meu nome em suas anotações. Então, convocou-me a Santa Sé, sua excelência Hudal [alto e influente prelado alemão em Roma], dizendo: “venha para cá, pois a SS quer prendê-lo”. Perguntei: “Mas o que fiz?” - “Você ajudou um espião russo”. “Eu? Quem é?” - Então escapei.

Pe. Centioni, como capelão, conheceu pessoalmente o oficial alemão Herbert Kappler, comandante da Gestapo em Roma e autor do massacre das Fossas Ardeatinas, no qual 335 italianos foram assassinados, entre os quais muitos civis e judeus.

“Durante a invasão alemã, logo após a carnificina, perguntei a Kappler, a quem via com freqüência: por que não chamaram os capelães militares para as Fossas Andreatinas? E ele me respondeu: porque teria eliminado também eles”.

Pe. Centioni assegura que as centenas de pessoas que pôde ajudar tinham conhecimento de quem estava por trás de tudo. “Quem os ajudava era o Papa Pio XII, por meio de nós sacerdotes e da Raphael's Verein”, e através dos Verbitas, sociedade alemã em Roma. A entrevista foi concedida à Agência ZENIT e à Agência H2ONews (www.h2onews.org) e publicada nesta quinta-feira.

O caso do padre Centioni foi descoberto e investigado pela fundação Pave the Way (http://www.ptwf.org), criada pelo judeu nova-iorquino Gary Krupp.

Os relatos de Centioni são corroborados pela condecoração a ele concedida pelo governo polonês (“a cruz de ouro com duas espadas”, “pela nossa e pela vossa liberdade”).

O sacerdote citou outras expressões de gratidão por parte de algumas das pessoas que ajudou: os senhores Zoe e Andrea Maroni, os professores Melchiorre Gioia e Aroldo Di Tivoli, e as famílias Tagliacozzo e Ghiron, cujos filhos puderam se salvar, alcançando os EUA, com passaportes e recursos disponibilizados pelo Vaticano.

A entrevista pode ser assistida no site: www.h2onews.org

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Domingo I da Quaresma

LEITURA I  Deut 26, 4-10

A profissão de fé do povo eleito

Leitura do Livro do Deuteronómio
Moisés falou ao povo, dizendo:
«O sacerdote receberá da tua mão
as primícias dos frutos da terra
e colocá-las-á diante do altar do Senhor, teu Deus.
E diante do Senhor teu Deus, dirás as seguintes palavras:
‘Meu pai era um arameu errante,
que desceu ao Egipto com poucas pessoas,
e aí viveu como estrangeiro,
até se tornar uma nação grande, forte e numerosa.
Mas os Egípcios maltrataram-nos, oprimiram-nos
e sujeitaram-nos a dura escravidão.
Então invocámos o Senhor, Deus dos nossos pais,
e o Senhor ouviu a nossa voz,
viu a nossa miséria, o nosso sofrimento
e a opressão que nos dominava.
O Senhor fez-nos sair do Egipto
com mão poderosa e braço estendido,
espalhando um grande terror e realizando sinais e prodígios.
Conduziu-nos a este lugar e deu-nos esta terra,
uma terra onde corre leite e mel.
E agora venho trazer-Vos as primícias dos frutos da terra
que me destes, Senhor’.
Então colocarás diante do Senhor, teu Deus,
as primícias dos frutos da terra
e te prostrarás diante do Senhor, teu Deus».
Palavra do Senhor.

LEITURA II Rom 10, 8-13

Profissão de fé dos que crêem em Cristo

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos
Irmãos:
Que diz a Escritura?
«A palavra está perto de ti,
na tua boca e no teu coração».
Esta é a palavra da fé que nós pregamos.
Se confessares com a tua boca que Jesus é o Senhor
e se acreditares no teu coração
que Deus O ressuscitou dos mortos,
serás salvo.
e com a boca se professa a fé para alcançar a salvação.
Na verdade, a Escritura diz:
«Todo aquele que acreditar no Senhor
não será confundido».
Não há diferença entre judeu e grego:
todos têm o mesmo Senhor,
rico para com todos os que O invocam.
Portanto, todo aquele que invocar o nome do Senhor
será salvo.
Palavra do Senhor.

EVANGELHO Lc 4, 1-13


«Esteve no deserto, conduzido pelo Espírito, e foi tentado»

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo,
Jesus, cheio do Espírito Santo,
retirou-Se das margens do Jordão.
Durante quarenta dias,
esteve no deserto, conduzido pelo Espírito,
e foi tentado pelo Diabo.
Nesses dias não comeu nada
e, passado esse tempo, sentiu fome.
O Diabo disse-lhe:
«Se és Filho de Deus,
manda a esta pedra que se transforme em pão».
Jesus respondeu-lhe:
«Está escrito:
‘Nem só de pão vive o homem’».
O Diabo levou-O a um lugar alto
e mostrou-Lhe num instante todos os reinos da terra
e disse-Lhe:
«Eu Te darei todo este poder e a glória destes reinos,
porque me foram confiados e os dou a quem eu quiser.
Se Te prostrares diante de mim, tudo será teu».
Jesus respondeu-lhe:
«Está escrito:
‘Ao Senhor teu Deus adorarás,
só a Ele prestarás culto’».
Então o Diabo levou-O a Jerusalém,
colocou-O sobre o pináculo do templo
e disse-Lhe:
«Se és Filho de Deus,
atira-Te daqui abaixo,
porque está escrito:
‘Ele dará ordens aos seus Anjos a teu respeito,
para que Te guardem’;
e ainda: ‘Na palma das mãos te levarão,
para que não tropeces em alguma pedra’».
Jesus respondeu-lhe: «Está mandado:
‘Não tentarás o Senhor teu Deus’».
Então o Diabo, tendo terminado toda a espécie de tentação,
retirou-se da presença de Jesus, até certo tempo.
Palavra da salvação.


Homilia Pe. Antoine Coelho, LC

Domingo I da Quaresma


A missa do próximo domingo apresenta-nos as tentações do Senhor, segundo a versão de São Lucas. Como sabemos, tiveram lugar durante os quarenta dias que o Senhor passou no deserto, tempo durante o qual não comeu nada. São Lucas menciona que “foi conduzido até ao deserto pelo Espírito, e foi tentado pelo Diabo”. O Espírito e o Diabo, são por assim dizer, os dois extremos deste episódio.

Aqui, com efeito, opõem-se o Espírito de Deus e o espírito do mal. Entre eles, o homem deve fazer a sua escolha. Cristo, como todo homem, teve de a fazer, embora, por ser Deus, não podia deixar de optar pelo bem. A condição necessária para que esta escolha seja realmente livre e que, por isso, se possa orientar para o bem é o jejum. Entenda-se jejum em sentido amplo, como o saber prescindir do não essencial. Cada apego às coisas deste mundo é como uma corda pela qual o espírito do mal pode “puxar” os corações, abalá-los e roubar-lhes a paz. Sejamos convencidos disso: onde há falta de paz, existe um apego. Se habitualmente nos faltar a paz, então, com certeza, é porque o nosso coração está muito apegado.

Claro, podemos culpabilizar os outros pela nossa falta de paz: se tal pessoa não tivesse sido mal-educada, caluniadora, se não tivesse sido injusta comigo, teria guardado a paz…O simples facto de que fazemos depender a paz dos outros, mostra que não entendemos ainda bem o que ela é: um dom de Deus. Cristo foi submetido às mais atrozes provas. Chegou a angustiar-se grandemente no Jardim das Oliveiras, suando sangue, mas na oração encontrou paz. Na cruz, perguntou ao seu Pai porquê o tinha abandonado, mas mantendo-se em oração, soube suspirar finalmente: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu Espírito”.

No presente relato evangélico, Cristo não se limita a passar uns dias no deserto. Permaneceu aí 40 dias. Tal duração significa, no mundo da Bíblia, a plenitude: Cristo é plenamente desapegado das coisas. Isso significa que nós também, em quanto seguidores de Cristo, devemos tender a uma plena libertação do mundo. Não bastam meias vitórias. A nossa vida é feita delas, é verdade, mas quem se contenta com elas já perdeu. Devemos temer querer ser simplesmente boas pessoas. O mundo está já cheio de boas pessoas…Quem vive mirando a vitória total, confiado no poder de Deus e não nas suas forças, está realmente no bom caminho. Devemos buscar a santidade. Muitas objecções podem vir imediatamente à nossa mente ante tal meta. “Boas” razões todas elas, sensatas. Mas, com isso, mostramos somente não haver entendido ainda o que é a santidade. Com efeito, quem duvida que pode ser santo, não sabe o que é a santidade e deve pedir insistentemente a Deus que lhe permita entrar na sua lógica e deixar os caminhos humanos. A santidade é um dom de Deus (como a paz!) que receberá sempre quem a busque sinceramente.

“Mas não sou ainda desapegado”, dirá alguém. “Não sou capaz de buscar sinceramente a santidade”. Pois então, que peça a Deus a experiência do deserto. Ou seja, que peça ao Espírito Santo a graça de ser levado à compreensão do que valem as coisas deste mundo, quando não são amadas em Deus. Sim, o que o coração busca sem Deus, é deserto, há-de o condenar à solidão, vai fechá-lo sobre si mesmo e impedir uma límpida e espontânea comunicação com os outros. Mas este deserto sabe mascarar-se muito bem, vestir roupas de carnaval, fingir sorrisos…O Espírito Santo é capaz de nos mostrar a face interior, desértica, deste teatro de alegrias superficiais. Aí, na lucidez que se produz, nasce o mais profundo desejo do homem: o de Deus, o da santidade.

Mas no deserto, não somente se descobre a vanidade do mundo, como também se percebe a verdadeira natureza do mal. Como Cristo também teve de se enfrentar às tentações. As tentações de Cristo são as de toda a humanidade.

Em primeiro lugar, o Diabo incita-o a transformar as pedras em pães. Não é Cristo o Filho de Deus? Porque teria então que padecer fome? Trata-se da tentação do materialismo, de fechar o horizonte humano dentro do nosso mundo, sem elevar os olhos até Deus. Está particularmente presente hoje em dia. Não somente porque muitos homens parecem esperar unicamente a felicidade dos bens terrenos, mas também porque se desenvolvem formas de espiritualidade centradas sobre as energias deste mundo. Energias cegas, materiais, elas também, e por isso, incapazes de resolver os problemas mais profundos que são de índole espiritual.

Cristo responde da melhor forma possível às sugestões do adversário: “nem só de pão vive o homem”. Sim, o homem vive sobretudo de Deus. Eis porque Deus permitiu, ao longo do tempos, que santos vivessem sem alimentar-se de outra coisa que a Eucaristia, o Pão do Céu. Para nos recordar quem é o dador da vida e em que consiste a verdadeira vida.

A segunda tentação é mais própria do espírito. Não se dirige à fome meramente corporal, mas à sede espiritual de poder e de glória. O coração do homem deseja ardentemente Deus, mas este movimento, como fruto do pecado, pode ser adulterado. Então, o desejo de Deus degrada-se e transforma-se em desejo de ser deus, ao menos aos olhos dos homens. Mas tal meta é um grande engano, porque equivale, no fundo, a ser escravizado pelas forças do mal. Por isso, como condição da possessão de todos os reinos, Satanás pede ao Senhor que se prostre diante dele. Mas, de facto, o próprio Satanás, aparentemente tão livre e potente, senhor e príncipe, não passa de ser um escravo de si mesmo, incapaz de encontrar esta profunda união consigo mesmo, que chamamos paz. Quem abandona Deus, torna-se o pior tirano para si mesmo.

“Ao Senhor teu Deus adorarás, só a Ele prestarás culto”, responde-lhe o Senhor desta vez. Sim, ser livre é adorar o Senhor. É próprio do homem livre, de facto, não escravizar ninguém, não querer exercer o próprio jugo sobre os demais, tal como Deus, que, sendo Ele quem é, serve as suas criaturas.

“Se és Filho de Deus, atira-Te daqui abaixo, porque está escrito: Ele dará ordens aos seus anjos a teu respeito, para que te guardem”. Trata-se do último ataque diabólico. Nos Evangelhos de São Mateus e São Marcos, figura como a segunda tentação. Lucas prefere colocá-la no fim, o que sugere que aqui atingimos o ponto culminante da degradação. Pessoalmente estou de acordo com Lucas. Vejo aqui a suprema tentação de usar de Deus. Não se trata somente de escravizar os homens, como na segunda, mas de submeter Deus aos próprios caprichos. Encontramos o núcleo mais pérfido do pecado. A isso tende, no fim de contas, todo pecado, por mais pequeno que seja e ainda que seja de forma inconsciente: subir ao trono de Deus e tomar o seu lugar. A terceira tentação manifesta assim o verdadeiro rosto do mal, a sua hediondez e profunda injustiça. Com Cristo respondamos: “Não tentarás o Senhor teu Deus!”

Assim, vemos delineado o que devemos procurar nesta quaresma: uma consciência mais clara da precariedade da vida sem Deus, ou, se preferirmos, da vida sem a Vida. O que podemos sensatamente esperar dela? Também devemos pedir a Deus compreender que não existe um caminho intermédio entre o de Deus e o do mal, um caminho mais “humano”, mais adaptado ao que somos. A vida sem a Vida, não pode senão deslizar perigosamente para as redes da morte. Recordemos também que ninguém é mais humano que Deus, porque Ele fez-se homem, mais ainda tornou-se o homem modelo. Por isso, que esta quaresma nos veja também contemplando muito o exemplo de Cristo. Quem o seguir, passando pelo deserto, encontrará infalivelmente a Terra Prometida, da qual mana o leite e o mel do amor de Deus.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

6º Domingo do Tempo Comum, Ano C

LEITURA I Jer 17, 5-8

«Maldito quem confia no homem;
bendito quem confia no Senhor»

Leitura do Livro de Jeremias
Eis o que diz o Senhor:
«Maldito quem confia no homem
e põe na carne toda a sua esperança,
afastando o seu coração do Senhor.
Será como o cardo na estepe,
que nem percebe quando chega a felicidade:
habitará na aridez do deserto,
terra salobre, onde ninguém habita.
Bendito quem confia no Senhor
e põe no Senhor a sua esperança.
É como a árvore plantada à beira da água,
que estende as suas raízes para a corrente:
nada tem a temer quando vem o calor
e a sua folhagem mantém-se sempre verde;
em ano de estiagem não se inquieta
e não deixa de produzir os seus frutos».
Palavra do Senhor.


LEITURA II 1 Cor 15, 12.16-2o

«Se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé»

Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios
Irmãos:
Se pregamos que Cristo ressuscitou dos mortos,
porque dizem alguns no meio de vós
que não há ressurreição dos mortos?
Se os mortos não ressuscitam,
também Cristo não ressuscitou.
E se Cristo não ressuscitou,
é vã a vossa fé, ainda estais nos vossos pecados;
e assim, os que morreram em Cristo pereceram também.
Se é só para a vida presente
que temos posta em Cristo a nossa esperança,
somos os mais miseráveis de todos os homens.
Mas não.
Cristo ressuscitou dos mortos,
como primícias dos que morreram.
Palavra do Senhor.

EVANGELHO Lc 6, 17.20-26

«Bem-aventurados os pobres.
Ai de vós, os ricos»


Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo,
Jesus desceu do monte, na companhia dos Apóstolos,
e deteve-Se num sítio plano,
com numerosos discípulos e uma grande multidão
de toda a Judeia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e Sidónia.
Erguendo então os olhos para os discípulos, disse:
Bem-aventurados vós, os pobres,
porque é vosso o reino de Deus.
Bem-aventurados vós que agora tendes fome,
porque sereis saciados.
Bem-aventurados vós que agora chorais,
porque haveis de rir.
Bem-aventurados sereis, quando os homens vos odiarem,
quando vos rejeitarem e insultarem
e proscreverem o vosso nome como infame,
por causa do Filho do homem.
Alegrai-vos e exultai nesse dia,
porque é grande no Céu a vossa recompensa.
Era assim que os seus antepassados tratavam os profetas.
Mas ai de vós, os ricos,
porque já recebestes a vossa consolação.
Ai de vós, que agora estais saciados,
porque haveis de ter fome.
Ai de vós que rides agora,
porque haveis de entristecer-vos e chorar.
Ai de vós quando todos os homens vos elogiarem.
Era assim que os seus antepassados
tratavam os falsos profetas.
Palavra da salvação.


Homilia Pe. Antoine Coelho, LC


Neste domingo a liturgia apresenta para a nossa meditação a proclamação das bem-aventuranças segundo o Evangelho de São Lucas. Estamos diante de uma parte crucial da mensagem de Jesus. Sabemos que ao centro de toda proposta religiosa está a questão da felicidade. Se as religiões são atraentes é precisamente por isso: prometem a felicidade para o fiel.

Hoje em dia, nenhuma outra realidade ou dimensão de nossa vida pode pretender oferecer a felicidade sem cair no ridículo: a ciência e a técnica já não o podem fazer de forma plausível. Quem acredita realmente hoje em dia que a ciência vai resolver os nossos problemas, sobretudo os nossos problemas mais profundos? Muito menos a política ou a economia o poderá. Tampouco as nossas famílias, fontes de grandes alegrias como de profundas preocupações. Os nossos lazeres pessoais e hobbies oferecem algum mas não resolvem o problema da vida.

Poderíamos continuar ainda esta enumeração. No fim, seriamos obrigados a chegar a esta conclusão: a felicidade não pertence ao nosso mundo. Mais ainda: não pertence ao homem. No máximo, podemos encontrar pequenas ou, inclusive, grandes alegrias na vida, mas serão sempre pequenas ilhas precárias de felicidade, sempre provisórias e às quais damos a volta com demasiada facilidade. No entanto, não só não pertence ao homem a felicidade, como, ainda por cima, foge dele. É curioso, mas quanto mais alguém neste mundo a busca para si, menos a encontra. É que na verdade, a felicidade não se trata de algo que possuímos como possuímos um carro ou uma qualidade pessoal ou qualquer outra realidade mundana. Como ficará mais claro depois, é a felicidade que nos deve possuir primeiro. Somente depois podemos possuí-la. É uma dinâmica absolutamente oposta às coisas deste mundo: nos as tomamos e pensamos ser os seus proprietários, mas se não sabemos desapegar-nos delas, são elas mesmas que nos vão escravizando pouco a pouco.

Voltando ao Evangelho, constatamos que Cristo, no início de sua missão, propõe as bem-aventuranças, ou seja, as atitudes interiores de que se devem revestir os discípulos se quiserem ser felizes nesta vida e chegar a experimentar, sobretudo na próxima vida, a felicidade total. Mas eis que encontramos uma anomalia. Algo que nenhum de nós seguramente faria se tivesse que inventar uma religião minimamente susceptível de conseguir adeptos. Cristo, chama felizes os pobres, os esfomeados, os que choram, os que são odiados por todos. E são terrivelmente desditosos os ricos, os saciados, os que riem, os admirados e elogiados. Poderá sobreviver uma religião que prega tal tipo de felicidade, uma religião que parece maltratar precisamente o que a poderia tornar atraente aos olhos dos homens?

A questão agrava-se mais se a consideramos desde esta perspectiva: as bem-aventuranças são um auto-retrato de Jesus. É Ele o pobre, o esfomeado, o que chora pelos pecados do mundo, o odiado ao ponto de ser crucificado, sem ter feito nada que pudesse merecer tal condenação. É Ele o bem-aventurado por excelência. Se Ele, o nosso modelo a seguir, viveu de forma tão dura as bem-aventuranças, como poderá esperar ter discípulos? Buda morreu com um sorriso nos lábios. Maomé tinha triunfado na vida: rico, admirado e poderoso, não podia pedir mais da existência, ao menos do ponto de vista mundano. E Cristo? Crucificado, abandonado por todos, objecto de todas as burlas. E ainda por cima recorda que a única forma de ser fiel ao seu ensinamento é segui-lo. De facto, ser cristão não pode significar outra coisa.

Mas vejamos agora a vida de alguns dos seus seguidores. Certas vidas de santos são tão impressionantes que podemos perguntar-nos se convém realmente ser cristão a este preço. A mística francesa Marthe Robin, que viveu no século passado, passou 40 anos alimentando-se somente da Eucaristia! Anoto que se trata de um facto comprovado, pois a sua fama era tão grande em França que muitos cépticos buscaram demonstrar que se tratava de uma invenção, mas nunca o conseguiram. O próprio Padre Pio, autor de inumeráveis milagres aqui em Itália, vivia com uma frugalidade insuportável para um homem comum. Sem contar as dores por causa dos estigmas, dores que não encontravam explicação médica. E que dizer de um exemplo que nos é ainda mais familiar: João Paulo II? Todos assistimos durante anos ao seu tão mediatizado calvário. Gostaríamos de partilhá-lo?

Como responder a estas perguntas? Em primeiro lugar, anotemos que é o Evangelho de São Lucas a propor com tal crueza as bem-aventuranças. Sabemos que Lucas gosta de suavizar as verdades evangélicas com expressões mais facilmente aceitáveis. Mas aqui, Lucas sente que estamos diante de uma realidade tão decisiva, que deve ser expressada em toda a sua pureza. É que estamos diante da cruz, e o maior favor que podemos fazer-lhe à cruz e ao homem e ao Evangelho, é apresentá-la tal como é. Cristo, felicidade e cruz: eis que vemos reunidos, nas bem-aventuranças, três termos centrais do Evangelho, que configuram o seu núcleo misterioso e que são, ao mesmo tempo, o segredo de seu lento, mas, cada vez mais dilatado sucesso. Eles podem resumir-se numa única expressão: amor, amor que é divino e humano ao mesmo tempo. A grande tentação de todos os tempos será buscar conseguir adeptos, separando a cruz dos outros dois termos, mas assim destrói-se o amor. Consequentemente o cristianismo, como não tem nada mais que dar ao mundo, acaba por perder os fiéis.

Certa vez, fiquei impressionado ao ler as experiências pessoais de dois ex-prisioneiros dos campos de concentração alemães, durante a segunda guerra mundial. Eram ambos resistentes franceses, que a Gestapo acabara por descobrir e deportar. O primeiro, que fora parar a Buchenwald, conta como, durante estes anos, o ter sido objecto do ódio mais brutal e sagaz ao mesmo tempo, tinha-lhe sulcado a psicologia com feridas que nunca mais sarariam. Ainda 50 anos depois, sentia o peso colossal do mal, que lhe esmagara para sempre parte da alma. O segundo, Edmond Michelet, ministro francês com De Gaulle, 20 anos depois, relatava numa conferência como a experiência, no campo de Dachau, tinha sido feliz. Sim, tinha sido segundo ele uma experiência feliz! Como é possível tal disparidade de impressões? Conta Edmond que por uma graça especial de Deus, tinha-se sentido unido aos mártires cristãos, especialmente a São Tarcísio, que ele tanto venerava, por ter este santo preferido morrer apedrejado que entregar a Eucaristia a pagãos desejosos de a profanarem. O terrível ódio de Dachau, que se abatera sobre Edmond, não lhe impedira dar um sentido a esta experiência, de encontrar “entre as feras” o sentido da existência: dar a própria vida, unido a Cristo, para o triunfo do amor.

A psicologia de Edmond não saíra mutilada de Dachau, porque aí, neste inferno humano, encontrara Aquele que nunca temeu os infernos humanos, mas antes viveu-os com mais radicalidade que ninguém: Cristo. Edmond fizera a experiência da sua Cruz, experimentara com singularíssima intensidade o conteúdo paradoxal das bem-aventuranças. Vivera o amor, como Cristo o tinha vivido dois mil anos antes, de forma divina e humana, e isso foi o segredo da grande felicidade e paz, que caracterizou depois o resto de sua vida. Uma felicidade e paz profundas, que não dependiam de circunstâncias externas, de caprichos pessoais, da condescendência de homens volúveis, mas unicamente de saber que, dando-se a si mesmo, construía a misteriosa civilização do amor, que, quando os tempos chegarem ao seu fim, chamaremos a Jerusalém Celeste: a Cidade que não necessitará mais a luz do sol, porque Deus brilhará para todos em seu centro.

Sabemos que a felicidade significa amar e ser amado. O que não sempre sabemos é que não existe um amor sem cruz. Em todos nós, existe o sonho de conseguir produzir nas nossas vidas um amor sem verdadeiro sacrifício. Mas também, ao mesmo tempo, nas profundezas da nossa consciência, bem sabemos que isso não é possível. O amor verdadeiro quer dizer deixar-se a si mesmo, viver para os outros. É isso o que produz paz. É um amor que tem de ser vivido concretamente, indo ao encontro dos outros. Custa. Mas, ao mesmo tempo, libera. Conta o actor Eduardo Verastegui numa entrevista, como não tem sido fácil para ele viver a castidade em Hollywood. No entanto, experimenta que, cada dia depois de sua conversão, vale mais e é mais feliz que os 20 anos anteriores, vividos com muita “liberdade”.

Cristo sabia isso, sabia onde se encontrava a verdadeira liberdade e felicidade. Mais ainda, sabia que Ele era a nossa felicidade. “Vinde a mim os que estais cansados e encontrareis o vosso descanso”, exclama Ele no Evangelho. O segredo da felicidade, como dizíamos, não é buscá-la freneticamente, procurando novas experiências, tecnologias, novas possessões, companhias humanas… O segredo da felicidade é muito mais simples: é confiar nela e deixar que ela nos encontre: Jesus bate à nossa porta todos os dias. Se abrirmos Ele entrará, sentar-se-á e jantará connosco, e quem nos poderá roubar a força de sua alegria que procede directamente da Eternidade e que enche a alma de uma paz sobrenatural? É essa paz que Edmond e Eduardo e tantos outros cristãos encontraram até darem a sua vida por ela.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Qual a melhor religião?

Caros amigos, enviei esta resposta a um bom amigo sobre uma apresentação [clique para a ver] que me enviou. Achei que podia ajudar. Vale a pena vê a apresentação porque dá que pensar:

«Bonita apresentação. Conheço o Leonardo Boff. Foi franciscano. Casou e deixou o sacerdócio. Coisas que podem suceder e que não temos direito de julgar, como é óbvio. Tudo isso aconteceu sem que antes tivesse feito uma curiosa mistura entre fé e marxismo nos anos 70 e 80. Depois da caída do muro de Berlim, virou-se para o ecologismo e agora está ocupado com a ética global.

Daí esta ideia de fundo da apresentação, que ele não menciona directamente, mas que se pode deduzir: o verdadeiro culto é a compaixão, a bondade, a misericórdia, ser altruísta, a responsabilidade, etc. E certamente é verdade. Não existe verdadeiro culto sem isso. Como diz São Joao, não pode amar o Deus que não vê, quem não ama o seu irmão que vê.

Mas há outro aspecto o muito ligado a isso que ele deixa na sombra. Como faço para viver assim? As sombras, o mal, em mim, não é como um vestido de que me posso despir porque simplesmente o quero. A experiência pessoal e a história da humanidade ensinam que habita no coração do homem, no centro do seu ser. Por isso é tão difícil perdoar, por isso surgem os problemas de herdade e outros familiares, os problemas conjugais, problemas infinitos quando entre as pessoas está em jogo o dinheiro, por isso esta tendência tão forte a fazer de si mesmo o centro da vida, a preferir a fama, o sucesso ao bem do próximo, etc. Esse mal só Deus pode vencê-lo em mim, embora sempre com a minha colaboração, como é lógico.

Neste sentido, o que eu responderia ao Dalai Lama é que a religião verdadeira não é tanto aquela através da qual tu te aproximas de Deus, mas é aquela em que Deus se aproxima de ti e te salva. Sabemos que isso não existe nas religiões orientais. Nelas, é o homem que se salva e não Deus que o salva. Nelas, não existe Deus salvador. É verdade que acreditam nos assim chamados “avatares”. Mas não te salvam, realmente. Indicam o caminho que tu vais ter que percorrer. E no fundo, estás sozinho nisso. Podes ter gente a apoiar, a encorajar, a dar bom exemplo, mas só tu caminhas o teu próprio caminho.

Mas o homem não se pode salvar por si mesmo. Estou convencido disso. Vivo todos os dias nas estreitas paredes da minha própria limitação. Mas eu creio em Jesus, que em arameu quer dizer precisamente “Deus salva”, eu creio nesse Deus que sem qualquer interesse próprio se faz homem e dá a vida por mim numa cruz.

Porquê numa cruz? Porque o mal é tão sério que Deus não o quer apagar sem mais nem menos. Isso seria irresponsabilidade. Alguém tem de pagar o preço. Como o homem não o podia fazer, Deus mesmo fê-lo por ele. Com o exemplo desse Deus sinto-me realmente impelido a fazer, também eu, o bem, mesmo quando o preço é alto. Mas sobretudo (e isso é realmente decisivo) o que aconteceu é que esse Deus que se fez homem e morreu por mim na cruz, tomando sobre si o mal do mundo, uniu-se a todo homem. E, se eu O acolher, aceitando lutar por cumprir os seus mandamentos apesar de minha fraqueza e de todas as minhas numerosas caídas passadas, presentes e futuras, Ele então vive em mim. “Não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”, diz São Paulo aos Gálatas. Ele ama em mim. Trabalha em mim. Sacrifica-se em mim. E então não sou eu que me torno bom, porque no fundo sou bom, sou forte, tenho muitos méritos e capacidades…Mas é Ele e eu numa espécie de matrimónio místico em que Ele está em mim e eu n’Ele...Ele e eu vamos caminhando em direção ao Pai. Não existe a solidão, não carregamos o peso de tudo nas nossas costas tão fracas. Ele carregou a cruz e eu, como Simão de Cirene, vou e ajudo-o a levar a cruz (a minha cruz!).

Essa é a nossa vida cristã. Isso é o que eu tenho experimentado cada dia nesses 16 anos de vida religiosa. Sinceramente não quero outra coisa….

Perdão, se prolonguei a resposta, mas acho importante entender o que nos caracteriza e porque uma ética global, mesmo se em si é um esforço que merece louvor…não basta. Podes enviar o que eu disse a quem quiseres, se vires que pode ter alguma utilidade.»

P. Antoine, LC

Cerco de Jericó

Já temos noticiado o Cerco de Jericó realizado na Paróquia de S. Pedro e S. João do Estoril, e esta é uma forma de oração feita pelo mundo fora, mas por vezes pergunta-se, o que é e como surgiu?

Para dar resposta a essas perguntas a Paróquia de S. Pedro e S. João do Estoril cedeu-nos o texto publicado no seu último boletim "Paróquia em Movimento", que passamos a transcrever em parte:

«O Cerco de Jericó consiste num incessante “assalto” de rosários, durante sete dias e seis noites, rezados diante do Santíssimo exposto. Por que “Cerco de Jericó”?

No Antigo Testamento, depois da morte de Moisés, Deus acolheu Josué para conduzir o povo hebreu. Deus disse a Josué que atravessasse o Jordão com todo o povo e tomasse posse da terra prometida. Ora, a cidade de Jericó era uma fortaleza inexpugnável. Ao chegar junto às muralhas de Jericó, Josué ergueu os olhos e viu um anjo, com uma espada na mão, que lhe deu ordens concretas e detalhadas. Josué e todo Israel executaram fielmente as ordens recebidas: durante seis dias, os valentes guerreiros de Israel deram uma volta em torno da cidade. No sétimo dia, deram sete voltas. Durante a sétima volta, ao som da trombeta, todo o povo levantou um grande clamor e, pelo poder de Deus, as muralhas de Jericó caíram…

“Jericó tinha fechado e aferrolhado as suas portas por medo dos israelitas, e ninguém ousava sair nem entrar na cidade. O Senhor disse a Josué: «Vê! Entrego-te Jericó, o seu rei e os seus valorosos guerreiros. Dai uma volta em torno da cidade, vós e todos os homens de guerra. Fareis isso durante seis dias. Sete sacerdotes, tocando sete trombetas, irão à frente da Arca; no sétimo dia, dareis sete vezes a volta à cidade, com os sacerdotes a tocar trombeta. À medida que o som do corno for crescendo e o toque das trombetas se tornar mais forte, todo o povo irromperá em grande clamor; a muralha da cidade há-de desabar e o povo subirá à cidade, cada um para o lugar que lhe fica em frente.» Josué, filho de Nun, reuniu os sacerdotes e disse-lhes: «Levai a Arca da aliança, e sete sacerdotes estejam diante dela com trombetas.» Depois, disse ao povo: «Em frente! Dai a volta à cidade com os guerreiros a marchar à frente da Arca do Senhor.» Mal Josué acabou de falar, os sete sacerdotes que levavam as sete trombetas puseram-se em marcha diante do Senhor, tocando os seus instrumentos. A Arca do Senhor seguiu-os. Os guerreiros marchavam à frente dos sacerdotes que tocavam a trombeta. A Arca seguia na retaguarda. Durante toda a marcha, ouvia-se o troar das trombetas. Josué tinha dado esta ordem ao povo: «Não griteis nem façais ouvir a vossa voz, nem saia da vossa boca palavra alguma até ao dia em que eu disser: ‘Gritai!’ Então gritareis com força.» A Arca do Senhor deu uma volta à cidade, e voltaram ao acampamento, a fim de ali passarem a noite. ... O povo gritou e os sacerdotes tocaram as trombetas. Mal o povo escutou o som das trombetas, fez ouvir um grande clamor e as muralhas da cidade desabaram; os filhos de Israel subiram à cidade, cada um pela brecha que tinha na sua frente e tomaram a cidade.”
(Josué 6, 1-11 20-21)

Em várias partes do mundo estão sendo realizados agora Cercos de Jericó. A 2 de fevereiro de 1986, Anatol Kazczuckaquela recebia outra mensagem da Rainha Vitoriosa do Santíssimo Rosário: “Ide ao Canadá, aos Estados Unidos, à Inglaterra e à Alemanha para salvar o que ainda pode ser salvo.” Nossa Senhora não pede, mas ordena que se organizem os rosários permanentes e os Cercos de Jericó, se queremos ter a certeza da vitória.»

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Pesquisando um pouco mais, ficamos a saber que nos nossos tempos esta devoção tomou vida nos tempos da Guerra Fria no século XX, João Paulo II quer visitar a Polónia, sua terra natal, mas derivado às complicadas condições políticas da altura, houve dificuldades.

Conseguiu-se agendar a sua visita originalmente, para 8 de Maio de 1979, por ocasião do 91º aniversário do martírio de S. Estanislau, bispo de Cracóvia.

Contudo, em Novembro de 1978, sete semanas depois do Conclave que o elegeu Papa, Nossa Senhora deu uma indicação a uma polaca: "Para a preparação da primeira peregrinação do Papa à sua Pátria, deve-se organizar na primeira semana de Maio de 1979, em Jasna Gora (Santurário Mariano), um Congresso do Rosário: sete dias e sete noites de Rosários consecutivos diante o Santíssimo Sacramento exposto."

"É bom rezar diante do Santíssimo Sacramento exposto; é bom rezar o terço pelo Papa; é bom rezar em Jasna Gora. Podeis fazê-lo." Anatol apresentou também a mensagem de Nossa Senhora a Monsenhor Stefano Barata, bispo de Czastochowa e presidente da Comissão Mariana do Episcopado. Ele alegrou-se com o projeto, mas aconselhou-os a não darem o nome de "congresso", para maior facilidade na sua organização. Como esse "assalto" de rosários devia durar sete dias, e, tal como em Jericó, tinha-se certeza da vitória, deu-se-lhe o nome de Cerco de Jericó.

O padre director de Jasna Gora aprovou o projeto, mas não queria que se realizasse em Maio por causa dos preparativos para a visita do Santo Padre. Dizia ele: "Seria melhor em abril". "Mas a Rainha do Céu deu ordens para se organizarem esses rosários permanentes na primeira semana de Maio", respondeu o Sr. Anatol. O padre aceitou, recomendando-lhe que fossem evitadas pertubações. A Santíssima Virgem sabia bem que o Cerco de Jericó em maio não iria perturbar a visita do Papa, porque ele não viria. E, logo a seguir, as autoridades recusaram o visto de entrada no país ao Santo Padre, como tinham feito a Paulo VI em 1966. Consternação geral em toda a Polónia.

O Papa não poderia visitar a sua Pátria. Foi, então, com redobrado fervor que se organizou o "assalto" de rosários. E, no dia 7 de Maio, ao mesmo tempo que terminava o Cerco, caíram "as muralhas de Jericó". Um comunicado oficial anunciava que o Santo Padre visitaria a Polónia de 2 a 10 de junho. Sabe-se como o povo polaco viveu esses nove dias com o Papa, o "seu" Santo Padre, numa alegria indescritível! No dia de 10 de junho, João Paulo II terminava a sua peregrinação, consagrando, com todo Episcopado polaco, a nação polaca ao Coração Doloroso e Imaculado de Maria, diante de um milhão e quinhentos mil fiéis reunidos em Blonic Kraskoskic. Foi a apoteose! Depois dessa estrondosa vitória, a Santíssima Virgem ordenou que se organizassem Cercos de Jericó todas as vezes que o Papa João Paulo II saísse em viagem apostólica. Por ocasião do atentado contra o Papa, em 13 de maio de 1981, os polacos lançaram de novo um formidável "assalto" de rosários e obtiveram o seu inesperado restabelecimento. Mais uma vez, as muralhas de ódio de satanás se abatiam diante do poder da Avé Maria.

Tanto Portugal como no mundo em geral faz-se muito 24 horas de oração em vez dos 7 dias e 7 noites.

Desejamos a todos que se retirem muitos frutos desta forma de oração.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

5º Domingo do Tempo Comum, Ano C

LEITURA I Is 6, 1-2a.3-8

«Eis-me aqui: podeis enviar-me»

Leitura do Livro de Isaías
No ano em que morreu Ozias, rei de Judá,
vi o Senhor, sentado num trono alto e sublime;
a fímbria do seu manto enchia o templo.
À sua volta estavam serafins de pé,
que tinham seis asas cada um
e clamavam alternadamente, dizendo:
«Santo, santo, santo é o Senhor do Universo.
A sua glória enche toda a terra!».
Com estes brados as portas oscilavam nos seus gonzos
e o templo enchia-se de fumo.
Então exclamei:
«Ai de mim, que estou perdido,
porque sou um homem de lábios impuros,
moro no meio de um povo de lábios impuros
e os meus olhos viram o Rei, Senhor do Universo».
Um dos serafins voou ao meu encontro,
tendo na mão um carvão ardente
que tirara do altar com uma tenaz.
Tocou-me com ele na boca e disse-me:
«Isto tocou os teus lábios:
desapareceu o teu pecado, foi perdoada a tua culpa».
Ouvi então a voz do Senhor, que dizia:
«Quem enviarei? Quem irá por nós?».
Eu respondi:
«Eis-me aqui: podeis enviar-me».
Palavra do Senhor.
 
LEITURA II Forma longa 1 Cor 15, 1-11

«É assim que pregamos e foi assim que acreditastes»

Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios
Recordo-vos, irmãos, o Evangelho
que vos anunciei e que recebestes,
no qual permaneceis e pelo qual sereis salvos,
se o conservais como eu vo-lo anunciei;
aliás teríeis abraçado a fé em vão.
Transmiti-vos em primeiro lugar o que eu mesmo recebi:
Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras;
foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras,
e apareceu a Pedro e depois aos Doze.
Em seguida apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez,
dos quais a maior parte ainda vive,
enquanto alguns já faleceram.
Posteriormente apareceu a Tiago e depois a todos os Apóstolos.
Em último lugar, apareceu-me também a mim,
como o abortivo.
Porque eu sou o menor dos Apóstolos
e não sou digno de ser chamado Apóstolo,
por ter perseguido a Igreja de Deus.
Mas pela graça de Deus sou aquilo que sou,
e a graça que Ele me deu não foi inútil.
Pelo contrário, tenho trabalhado mais que todos eles,
não eu, mas a graça de Deus, que está comigo.
Por conseguinte, tanto eu como eles,
é assim que pregamos;
e foi assim que vós acreditastes.
Palavra do Senhor.


EVANGELHO Lc 5, 1-11

«Deixaram tudo e seguiram Jesus»

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo,
estava a multidão aglomerada em volta de Jesus,
para ouvir a palavra de Deus.
Ele encontrava-Se na margem do lago de Genesaré
e viu dois barcos estacionados no lago.
Os pescadores tinham deixado os barcos
e estavam a lavar as redes.
Jesus subiu para um barco, que era de Simão,
e pediu-lhe que se afastasse um pouco da terra.
Depois sentou-Se
e do barco pôs-Se a ensinar a multidão.
Quando acabou de falar, disse a Simão:
«Faz-te ao largo
e lançai as redes para a pesca».
Respondeu-Lhe Simão:
«Mestre, andámos na faina toda a noite
e não apanhámos nada.
Mas, já que o dizes, lançarei as redes».
Eles assim fizeram
e apanharam tão grande quantidade de peixes
que as redes começavam a romper-se.
Fizeram sinal aos companheiros que estavam no outro barco,
para os virem ajudar;
eles vieram e encheram ambos os barcos,
de tal modo que quase se afundavam.
Ao ver o sucedido,
Simão Pedro lançou-se aos pés de Jesus e disse-Lhe:
«Senhor, afasta-Te de mim, que sou um homem pecador».
Na verdade, o temor tinha-se apoderado dele
e de todos os seus companheiros,
por causa da pesca realizada.
Isto mesmo sucedeu a Tiago e a João, filhos de Zebedeu,
que eram companheiros de Simão.
Jesus disse a Simão:
«Não temas.
Daqui em diante serás pescador de homens».
Tendo conduzido os barcos para terra,
eles deixaram tudo e seguiram Jesus.
Palavra da salvação.


Homilia Pe. Antoine Coelho, LC


A leitura do profeta Isaías, que nos apresenta a liturgia deste domingo, é sob muitos aspectos consoladora. Trata-se da chamada deste mesmo profeta a anunciar a palavra de Deus.

No ano em que morreu Ozias, Rei de Judá, Isaías é favorecido com uma visão extraordinária de Deus. Vê o Senhor num trono alto e sublime, com a fímbria do manto a encher todo o templo. À sua volta incontáveis serafins cantam a triple santidade de Deus. Com tais orações, tremem as próprias portas do templo, onde se desenvolve a cena. O ar carrega-se de incenso. Nenhum detalhe desta aparição é deixada ao acaso. Tudo é altamente significativo.

Deus é o rei incontestável do universo, sentado num trono alto e sublime. Não existem outros deuses, nem outros tronos. Não existem tampouco outras autoridades que se possam comparar à d’Ele. Mas não é um ser solitário: vive rodeado de uma infinidade de seres, dos quais Ele é a suprema alegria, pois extasiados repetem “santo, santo, santo”. A tríplice repetição do “santo” significa na língua hebreia que Deus possui esta qualidade em grau máximo: n’Ele não há manchas, não se mistura o mal nas suas decisões, o seu ser é puro amor e é unicamente o amor a guiar o seu actuar. Mas é um amor ao mesmo tempo misterioso, precisamente porque é tão elevado. Por isso, não esperemos compreender exaustivamente este amor e os seus caminhos. Confiemos.

Ao mesmo tempo, a tríplice repetição do “santo” é indício de outra coisa. Sugere uma pluralidade em Deus, que não por isso deixa de ser um único Deus. Se Ele somente fosse rodeado de criaturas angélicas, continuaria, no fundo, a ser uma realidade solitária e incompreendida, pois só Deus pode compreender Deus. Só Deus pode ser realmente uma companhia para Deus. Um homem, por mais que estivesse rodeado de animais, continuaria a viver sozinho, a não ser que dispusesse da companhia de outros homens. Mas como sabemos o nosso único Deus é, ao mesmo tempo, a comunidade de amor das três Pessoas divinas, comunidade sem tristezas, nem solidão, o que explica porquê o amor é a realidade mais alta que possa existir.

Mas voltemos ao quadro que nos pinta Isaías. Outro elemento significativo é o facto de que o manto de Deus enche todo o espaço. Deus é o mais alto, sem dúvida, mas isso não implica que esteja fora do mundo. Cobre tudo com o manto, ou seja, com a sua presença protectora. Em cada uma das nossas pequenas casas, em meio das nossas ocupações mais banais, insinua-se o seu amor misericordioso. Mas não basta esse cobertor para que as coisas corram como devem. O que seria esta cena, se Isaías visse os anjos atarefados, com indiferença, em mil coisas e esquecendo o seu Rei a quem tudo devem? O centro da sua atenção não poderia ser outro que Deus a quem gritam sem cessar “santo, santo…”. Tão potentes são os seus brados que todo o templo vibra. Como é poderosa a oração! Ela é também simbolizada pelo incenso que enche o ar a encher-se de fumo, sinal da capacidade que as preces têm de transformar e purificar o ambiente no qual respiramos. Sim, Deus está em todo o lado, mas actua só aí onde é chamado, como o mais humilde dos criados…

A cena termina com o Isaías a angustiar-se: “Ai de mim que estou perdido, porque sou um homem de lábios impuros, moro no meio de um povo de lábios impuros e os meus olhos viram o Rei…” Certamente, não lhe faltam motivos para sentir a sua indignidade, mas eis que contra toda a expectativa aparece um serafim, que lhe põe sobre os lábios um carvão ardente e lhe diz: “isso tocou os teus lábios, desapareceu o teu pecado”. Como está bem representado o amor de Deus através de este carvão ardente! E como existe uma atracção irresistível entre esse carvão, o amor de Deus, e os lábios desse homem que não temeram proferir palavras de humildade! Adão escondeu-se depois do pecado original e esse pecado permaneceu. Isaías ficou e humilhou-se: isso significou um novo início para ele, novo início caracterizado por uma missão, pois a partir de este momento Isaías é enviado aos homens.

O Evangelho, relatando a pesca milagrosa, apresenta-nos uma situação similar e ao mesmo tempo profundamente diversa. Aqui também trata-se de um acontecimento assombroso, que faz pressentir um poder que só pode ser divino. Cristo pede que as redes sejam lançadas em pleno dia, numa altura péssima para a pesca. Mas assim como o manto de Deus cobre as regiões mais longínquas do universo, as “redes espirituais” de Cristo e, no futuro, da Igreja, estendem-se onde quer que seja, sem limites. O número de peixes recolhidos supera por muito o que um pescador poderia esperar.

Aqui também assistimos a um novo início, desta vez para Pedro. Também ele, depois da incrível manifestação de poder por parte de Jesus, não pode deixar de manifestar a sua indignidade da forma mais eloquente. Lançando-se aos pés do Senhor, suplica-lhe que se aparte dele, pois não é mais que um pobre pecador. E justamente, produz-se o contrário daquilo que pede, pois Deus ama estar entre os homens humildes. Assim, Cristo liga-se para sempre ao futuro chefe da Igreja: “Não temas. Daqui em diante serás pescador de homens”.

Uma diferença essencial entre as duas cenas salta, no entanto, à vista. No caso de Isaías, o homem de Deus é absorvido no mundo de Deus e assiste à liturgia celeste. No caso de Pedro, é Deus a entrar no seu universo de pescador. É Deus que entra na sua barca e mais ainda, na sua vida, porque Cristo o acompanha para a pesca. Aqui não encontramos serafins que transportam carvões ardentes. É Deus mesmo a tranquilizá-lo com palavras tão singelas quanto profundas. “Não temas!” Sim, esse Deus-homem, Cristo, não deve ser temido. Quem teme uma irrupção violenta do divino na sua vida, que o força uma conversão e o aparta das coisas que ama, precisa ler atentamente esta passagem. É verdade que Deus purifica o homem e é bom que assim seja, mas este processo é feito com tanta arte e suavidade, com tanta compreensão da situação e do drama humano na qual nos encontramos, que podemos sem qualquer receio começar um caminho espiritual, por onde Ele saberá guiar-nos com impar pedagogia.

Realmente, Pedro não podia imaginar o que significaria para ele ser “pescador de homens”. Mas vejam como até na formulação da missão, Deus usa os términos mais familiares possíveis a Pedro. Pescador é o que ele tem sido toda a vida! Sim, o que temos sido toda a vida com tudo o que ela tem de bom, de válido e de reconfortante, Deus não o destruirá nunca, mas o elevará até uma altura inimaginável. Um sinal de isso é precisamente a pesca milagrosa: todas as potencialidades de Pedro serão agora multiplicadas infinitamente, porque não será ele simplesmente a actuar, mas Deus com ele. E, se algo do que tínhamos ficou no caminho, é porque não possuía grande importância para nós ou porque, inclusive, era nocivo.
Ajudemos, pois, esse Deus a entrar nas nossas vidas e nos nossos lares. Eis que Ele bate suavemente à porta, como ensina o livro do Apocalipse, não a romperá: “Olha que estou à porta e chamo; se alguém ouvir minha voz e me abrir a porta, entrarei em sua casa e jantarei com ele e ele comigo” (Ap 3, 20-21).