LEITURA I
Jer 33, 14-16Palavra do Senhor.
Palavra do Senhor.
Palavra da salvação
Podemos perguntar-nos porquê o primeiro domingo do advento, refere-se às duas vindas de Cristo, quando no fim de contas este tempo é de preparação para o Natal. A resposta é simples. Agora a nossa preparação para as festas do Natal é ao mesmo tempo uma preparação para a segunda vinda de Cristo. Mas não podemos preparar-nos bem para esta segunda vinda, quando Cristo há de nos julgar, se não pusermos os nossos olhos na primeira vinda onde a humildade de Deus que se faz pequeno e vulnerável é o melhor antídoto para os problemas que embargam o nosso coração.
Se o Filho de Deus tivesse aparecido resplandecente numa grande capital do mundo antigo, em vez de nascer num miserável estábulo e se ele tivesse tido uma vida gloriosa, segundo o modo dos imperadores, por mais que ele tivesse governado com justiça, sobriedade e amor a lição não teria sido completa. Sempre teríamos pensado que ser grande consiste em deslumbrar os outros, ocupar postos especialmente relevantes onde as nossas decisões se impõem aos outros, viver em condições privilegiadas. E também, por mais que esse “Deus-imperador” tivesse buscado o contacto directo com as pessoas e mostrado interesse pelos seus pequenos problemas de cada dia, tê-lo-íamos sempre visto distante de nós, elevado num pedestal à altura do qual não poderíamos chegar. Mas Belém muda radicalmente os nossos modos de pensar. Em Belém, Deus é um bebé que precisa do calor dos nossos braços, é a criatura mais incapaz de sobreviver neste mundo, é o monarca que menos poder de coacção apresenta. Poderás dizer não a este Deus mendigo?
Mas talvez podes responder: “Não! Não é possível que Deus queira fazer isso. É contra a sua dignidade divina! Esse menino é um ser humano como todos os outros que a nossa imaginação religiosa divinizou”. No entanto, é em Belém que tocamos com as nossas mãos a incrível dignidade de Deus. Ele é tão digno e tão grande que não teme tornar-se pequeno. Não teme ser um mendigo que bate a tua porta. Poderemos afrentá-lo, desprezá-lo, ridiculizá-lo, pois está ao alcance da mão. Poderemos inclusive esmagá-lo e de facto fá-lo-emos crucificando-o na cruz, e também na Eucaristia com as nossas indiferenças e profanações. Mas se todas estas terríveis possibilidades significam pouco para Ele, comparado com a suprema possibilidade de conquistar em profundidade os nossos corações, então é porque o nosso Deus é de uma nobreza fora de toda proporção. E então fechar-lhe o coração não é simplesmente negar uma autoridade, fosse ela suprema; é negar o amor. Não lhe abrir totalmente as portas da nossa vida é fazer-se mal a si mesmo.
Mas abrir-lhe as portas do coração não se improvisa. Não é simplesmente o fruto de uma decisão pontual. Quem quiser subir os Himalaias deve treinar-se e assim renovar cada dia a sua decisão de subir a estes cumes, ao mesmo tempo que vai modificando pouco a pouco as suas características físicas. Temos de reaprender a amar, reeducar o nosso coração petrificado por maus hábitos, tornando-o disponível para o Senhor que vem. Por isso, São Paulo exorta oportunamente os tessalonicenses: “recebestes de nós instruções sobre o modo como deveis proceder para agradar a Deus e assim estais procedendo; mas deveis progredir ainda mais. Conheceis bem as normas que vos demos da parte do Senhor Jesus”. Devemos habituar-nos a seguir as regras do amor, e isso não significa outra coisa que ser fiel à moral que a Igreja nos pede. Mas falar de regras do amor não é rebaixá-lo, dar-lhe um rosto demasiado severo? O amor não deveria ser algo espontâneo e livre por excelência, não deveria ser o lugar da felicidade?
Mas o Senhor, ao respeito do dia da sua segunda vinda, avisa-nos: “tende cuidado convosco, não suceda que os vossos corações se tornem pesados pela devassidão, a embriaguez e as preocupações da vida, e esse dia não vos surpreenda subitamente como uma armadilha”. O amor é efectivamente o jardim da nossa vida, o oásis onde encontramos repouso e felicidade, mas precisa ser protegido. Para isso são as leis do amor. Facilmente o que pensamos ser amor transforma-se em busca de si mesmo e de prazer. Por termos bons sentimentos pensamos que amamos realmente. Mas amar é muito mais que isso, é fazer objectivamente o bem. Madre Teresa de Calcutá durante anos e anos, não sentia a presença de Deus na sua vida e as vezes dificilmente experimentava o amor de forma sensível, dado que o amado parecia ter-se desvanecido completamente. E no entanto, quem pode duvidar seriamente que esta mulher amou o Senhor até ao extremo? Há dois anos, nos Estados Unidos uma mãe perdoou publicamente ao assassino do seu filho. Tinha sentimentos de amor para com este? Provavelmente não. Mas soube pôr de lado o rancor e fazer o bem a este homem, liberando-o de um terrível peso.
Agora, também devemos dizer que não basta fazer exteriormente a vontade de Deus, vivendo para com ele uma espécie de obediência militar, que pode seguir escrupulosamente as instruções dadas e no entanto ter verdadeira aversão a quem lhe dá ordens. Quem ama Deus busca pôr todo o coração ao seu serviço, senão será aparentemente fiel mas permanecerá com um coração de pedra. E se não sentimos nada, como podemos pôr todo o meu coração? Não precisamos sentir para pôr todo o coração. Basta querê-lo. Basta dizer sinceramente ao Senhor: “Deus, quero que tudo o que faça seja realmente por ti”. Por isso, a quem perguntava a São João da Cruz como podia amar, este respondia com a maior simplicidade: “põe amor”. Não existe mais ciência que esta. Num oceano de sentimentos de rancor, pode-se amar com grandíssima força o inimigo, assim como num oceano de sentimentos aparentemente de amor, podemos servir-nos dos outros como se fossem meros objectos. A vida normalmente vai revelando a sinceridade do amor, e os sentimentos mais doces podem ir transformando-se em tédio e irritação, assim como os sentimentos inicialmente negativos vão pouco a pouco suavizando-se para finalmente desaparecer em quem busca abrir-se aos outros.
Nesse trabalho, a nossa bússola é sempre o Senhor. Quem aprende a contemplá-lo na oração, a pousar os olhos repetidamente no seu exemplo de pobreza, de humildade, vai abrindo o coração. É impossível que isso não suceda. Um coração morto para o amor, quando se põe diante de um Deus que se dá com tanto desinteresse não pode não reagir. Mesmo se não sentir nada das primeiras vezes, mesmo se não derramar lágrimas de arrependimento, algo actuou em profundidade, e talvez precisamente porque foi tão profunda e tão importante esta acção espiritual, não se sente nada. Mas para que não pensemos que o amor é miséria e leva à destruição de si mesmo, devemos também elevar os olhos do espírito até à segunda vinda gloriosa de Cristo, onde resplandece toda a força do amor.
Quem ama será um dia como Ele, mais brilhante que as estrelas. Quem se deu sem esperar recompensas e talvez tendo sido vítima de muitos vexames receberá a grande recompensa. Comparado com tal majestade futura as coisas deste mundo são pouca coisa: “as forças celestes serão abaladas”, diz o Evangelho. Os “homens-estrela” do nosso mundo deixarão de brilhar, se no seu coração não havia luz. Porque no fundo é isso que aparecerá no novo mundo: o nosso coração que ninguém podia observar, mas que Deus sempre tinha diante dos olhos. Isso também nos mostra que a indigência do amor nesta vida é mais forte, potente e estável que o que existe de mais estável e aparatoso no nosso universo. Aprendamos, pois a educar os olhos do coração para que saiba discernir, a mirada fixa no Senhor, o que realmente conta e o que é palha levada pelo vento. Que este seja o nosso exercício neste advento.
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