quinta-feira, 3 de junho de 2010

Festa do Corpo e Sangue do Senhor



LEITURA I Gen 14, 18-20

«Ofereceu pão e vinho»

Leitura do Livro do Génesis
Naqueles dias,
Melquisedec, rei de Salém, trouxe pão e vinho.
Era sacerdote do Deus Altíssimo
e abençoou Abraão, dizendo:
«Abençoado seja Abraão pelo Deus Altíssimo,
criador do céu e da terra.
Bendito seja o Deus Altíssimo,
que entregou nas tuas mãos os teus inimigos».
E Abraão deu-lhe a dízima de tudo.
Palavra do Senhor.


LEITURA II 1 Cor 11, 23-26

«Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciareis a morte do Senhor»

Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios
Irmãos:
Eu recebi do Senhor o que também vos transmiti:
o Senhor Jesus, na noite em que ia ser entregue,
tomou o pão e, dando graças, partiu-o e disse:
«Isto é o meu Corpo, entregue por vós.
Fazei isto em memória de Mim».
Do mesmo modo, no fim da ceia, tomou o cálice e disse:
«Este cálice é a nova aliança no meu Sangue.
Todas as vezes que o beberdes, fazei-o em memória de Mim».
Na verdade, todas as vezes que comerdes deste pão
e beberdes deste cálice,
anunciareis a morte do Senhor, até que Ele venha».
Palavra do Senhor.


EVANGELHO Lc 9, 11b-17

«Comeram e ficaram saciados»

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo,
estava Jesus a falar à multidão sobre o reino de Deus
e a curar aqueles que necessitavam.
O dia começava a declinar.
Então os Doze aproximaram-se e disseram-Lhe:
«Manda embora a multidão
para ir procurar pousada e alimento
às aldeias e casais mais próximos,
pois aqui estamos num local deserto».
Disse-lhes Jesus:
«Dai-lhes vós de comer».
Mas eles responderam:
«Não temos senão cinco pães e dois peixes...
Só se formos nós mesmos
comprar comida para todo este povo».
Eram de facto uns cinco mil homens.
Disse Jesus aos discípulos:
«Mandai-os sentar por grupos de cinquenta».
Assim fizeram e todos se sentaram.
Então Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes,
ergueu os olhos ao Céu
e pronunciou sobre eles a bênção.
Depois partiu-os e deu-os aos discípulos,
para eles os distribuírem pela multidão.
Todos comeram e ficaram saciados;
e ainda recolheram doze cestos dos pedaços que sobraram.
Palavra da salvação.


Homilia do Pe. Antoine Coelho, LC

É conhecido o relato do mártirio dos santos de Abitínia (no norte de África), durante a perseguição do tempo de Diocleciano, emperador romano. Reuniram-se um domingo para a celebração da Missa, contrariamente ao estabelecido pelas autoridades, mas foram surpreendidos em flagrante delito pelos magistrados e soldados do lugar. Conduzidos a Cartago e interrogados pelo procónsul Anulino, apesar das torturas, confessaram a fé. Ficou para sempre famosa a sua resposta a Anulino: “sine domenica non possumus”, ou seja, “sem o domingo não podemos”. Con isso queriam dizer que sem a Missa dominical não era possível viver. Preferiam morrer a deixar este culto.


Que intuição tão verdadeira! Sem a Eucaristia, não podemos viver, sem a Eucaristia a vida que levamos não é vida verdadeira. Ainda que não faltem os alimentos corporais, se faltar o nutrimento para a alma, ou seja, se faltar Cristo, como podemos dizer que a nossa vida é realmente feliz?


A importância da Eucaristia para as primeiras comunidades cristãs também pode ser deduzida da segunda leitura, que pertence à primeira epístola de São Paulo aos Coríntios: “Irmãos eu recebi do Senhor o que também vos transmiti: o Senhor Jesus, na noite em que ia ser entregue, tomou o pão e, dando graças, partiu-o...” Salta aos olhos o tom solene empregado por Paulo “Irmãos, eu recebi do Senhor o que também vos transmiti”. Ou seja, ele se apresta a comunicar um conteúdo de primeira importância, algo que ele recebeu do Senhor e que ele deve comunicar com toda fidelidade.


No fim da leitura, termina Paulo dizendo: “Na verdade, todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciareis a morte do Senhor, até que Ele venha”. Como vemos, a Missa está intimamente ligada à morte do Senhor, a tal ponto que quem tomar parte da Missa entra na “morte” do Senhor, revive misticamente a “morte” do Senhor para poder ressuscitar com Ele. Comemos, com efeito, o Corpo de Cristo entregue por nós, comemos esse Corpo que morre por nós, para que vivamos com ele. Que poderá ser mais precioso que a Morte de Cristo? Que poderá igualar tomar parte na Morte de Cristo? Nenhuma oração pode ser mais potente e mais preciosa que a Santa Missa.


Do seu valor estava convencido San Tarcísio, mártir durante as perseguições causadas pelo emperados Valeriano. Muitos cristãos estavam nas prisões naquele tempo e o Papa San Sixto desejava levar-lhes o conforto espiritual da Eucaristia, para que pudessem resistir aos tormentos. Tarcisio oferece-se então para levar-lhes a Comunhão, mas não chega ao seu destino. Uns jovens, na via Apia, em Roma, desejam saber o que leva ao escondido no peito. Como recusa, chovem os golpes e as pedradas. Um soldado intervém, mas, demasiado tarde. Pouco depois, Tarcísio morre com as mãos ainda agarrando as preciosas hostias que acabarão por chegar ao próprio Papa São Sixto. Tarcísio tinha apenas 11 anos.


O que terá descoberto Tarcísio, aos 11 anos, nestes pedaços, que não são mais que pão para os olhos do corpo? A força desta visão superior, a fé, levou-o a dar a sua vida pela Eucaristia, desta forma tão dolorosa e brutal. Peçamos muito a Deus esta fé quando assistimos à Missa e quando recebemos a comunhão. O poder de transformação da Eucaristia é infinito, é como um oceano que quer entrar nos nossos corações e, no entanto, um muro pode detê-lo: a falta de fé. E ao contrário, a fé quanto mais se dilata, mais se expande, mais permite que o poder da Eucaristia se derrame abundantemente.


E precisamente o Evangelho desta festa mostra-nos o aspecto de sobreabundância próprio da Eucaristia. Conhecemos já muito bem esta passagem de São Lucas. As multidões seguiram Cristo, mas agora devem voltar à casa. O Senhor teme que desfaleçam e decide alimentá-las, com apenas cinco pães e dois peixes. Obviamente, aqui, Cristo não celebrou uma Missa, mas este episódio sempre foi visto na tradição como prefiguração do que acontece na Eucaristia. “O que são cinco pães e dois peixes para uma imensa multidão?”, perguntam-se escépticos os Apóstolos. Não são nada, como não é nada o pão e o vinho utilizado na Missa.


No entanto, tão pouca coisa nas mãos do Criador são suficientes para saciar todos e ainda se recolhem cestos com os pedaços que sobraram. Sim, a Missa pode parece pouca coisa, tão pouca coisa que às vezes podemos inclusive perguntar-nos: “irei à Missa hoje? Não terei algo melhor que fazer?” Mas recordemos que Deus gosta de se esconder detrás de “pouca coisa”. Isso responde perfeitamente ao modo de ser do amor, que é sempre tão humilde. Mas dentro dessa “pouca coisa” da Missa, há tudo, há Deus a sacrificar a vida por nós. Alimentados com a mesma Vida de Deus, poderemos caminhar com energia e coragem neste deserto da vida, longe do naufrágio de muitos, que talvez agora vemos, com certa admiração, falar com grande segurança e convicção, mas de modo muito humano, demasiado humano. No entanto, penso que não há coragem comparável à do pequeno Tarcísio ou à dos mártires de Abitinia, uma coragem que vem de Deus e que a Eucaristia alimentou.

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