quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

2º Domingo do Tempo Comum, Ano C

LEITURA I Is 62, 1-5

«A esposa é a alegria do marido»

Leitura do Livro de Isaías
Por amor de Sião não me calarei,
por amor de Jerusalém não terei repouso,
enquanto a sua justiça não despontar como a aurora
e a sua salvação não resplandecer como facho ardente.
Os povos hão-de ver a tua justiça
e todos os reis a tua glória.
Receberás um nome novo,
que a boca do Senhor designará.
Serás coroa esplendorosa nas mãos do Senhor,
diadema real nas mãos do teu Deus.
Não mais te chamarão «Abandonada»,
nem à tua terra «Deserta»,
mas hão-de chamar-te «Predilecta»
e à tua terra «Desposada»,
porque serás a predilecta do Senhor
e a tua terra terá um esposo.
Tal como o jovem desposa uma virgem,
o teu Construtor te desposará;
e como a esposa é a alegria do marido,
tu serás a alegria do teu Deus.
Palavra do Senhor.
 
LEITURA II 1 Cor 12, 4-11

«Um só e o mesmo Espírito , distribuindo a cada um conforme Lhe agrada»

Leitura da primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios
Irmãos:
Há diversidade de dons espirituais,
mas o Espírito é o mesmo.
Há diversidade de ministérios,
mas o Senhor é o mesmo.
Há diversidade de operações,
mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos.
Em cada um se manifestam os dons do Espírito
para o bem comum.
A um o Espírito dá a mensagem da sabedoria,
a outro a mensagem da ciência, segundo o mesmo Espírito.
É um só e o mesmo Espírito
que dá a um o dom da fé, a outro o poder de curar;
a um dá o poder de fazer milagres,
a outro o de falar em nome de Deus;
a um dá o discernimento dos espíritos,
a outro o de falar diversas línguas,
a outro o dom de as interpretar.
Mas é um só e o mesmo Espírito que faz tudo isto,
distribuindo os dons a cada um conforme Lhe agrada.
Palavra do Senhor.
 
EVANGELHO Jo 2, 1-11
O primeiro milagre de Jesus

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Naquele tempo,
realizou-se um casamento em Caná da Galileia
e estava lá a Mãe de Jesus.
Jesus e os seus discípulos
foram também convidados para o casamento.
A certa altura faltou o vinho.
Então a Mãe de Jesus disse-Lhe:
«Não têm vinho».
Jesus respondeu-Lhe:
«Mulher, que temos nós com isso?
Ainda não chegou a minha hora».
Sua Mãe disse aos serventes:
«Fazei tudo o que Ele vos disser».
Havia ali seis talhas de pedra,
destinadas à purificação dos judeus,
levando cada uma de duas a três medidas.
Disse-lhes Jesus:
«Enchei essas talhas de água».
Eles encheram-nas até acima.
Depois disse-lhes:
«Tirai agora e levai ao chefe de mesa».
E eles levaram.
Quando o chefe de mesa provou a água transformada em vinho,
_ ele não sabia de onde viera,
pois só os serventes, que tinham tirado a água, sabiam __
chamou o noivo e disse-lhe:
«Toda a gente serve primeiro o vinho bom
e, depois de os convidados terem bebido bem,
serve o inferior.
Mas tu guardaste o vinho bom até agora».
Foi assim que, em Caná da Galileia,
Jesus deu início aos seus milagres.
Manifestou a sua glória
e os discípulos acreditaram n’Ele.

Palavra da salvação.

Homilia do Pe Antoine Coelho, LC

Se o Evangelho de Lucas no domingo passado nos falava do Baptismo de Jesus, a partir do qual o Senhor inicia a sua vida pública, neste segundo domingo do tempo comum, o Evangelho de São João apresenta-nos outro episódio que marca também o início do seu ministério. Trata-se da narração das bodas de Caná, onde resplandece, por assim dizer, o aspecto mariano deste início. Deus Pai, Deus Espírito Santo, São João Baptista tiveram um papel importante. Maria teria ficado na sombra, se o evangelista São João não nos tivesse narrado o que sucedeu nestas bodas. Não foi pouca coisa. Nelas, Cristo “deu início aos seus milagres, manifestou a sua glória e os discípulos acreditaram n’Ele”.

Tudo isso foi possível através de uma intervenção de Nossa Senhora. Às vezes, podemos pensar que ela teria sentido a tentação de se lamentar um pouco com a saída do Filho, mas que por virtude teria oferecido isso a Deus com paz. Mas João mostra-nos outra coisa. Ela mesma fomenta a manifestação do Filho único ao mundo. Mas não terá sido duro para ver-se privada de repente da companhia do Senhor? No entanto é precisamente aceitando com amor a ausência do Filho que ele pode tornar-se mais presente, ou melhor, presente a um nível mais profundo e decisivo.

Mas voltemos à frase já mencionada de São João, que nos mostra o que se conseguiu através da intervenção de Maria em Caná: “Jesus deu início aos seus milagres, manifestou a sua glória e os discípulos acreditaram n’Ele”. Pessoalmente acho que, aqui, nesta última frase tão inspirada, está explicado, de forma condensada, como Maria ajuda o Senhor a estar presente na vida de cada um de nós. “Se quiserdes ver milagres”, dizia D. Bosco, rezai a Maria. Sim, por ela, a potência transformadora de Deus irrompe nas nossas vidas com força. Quem contempla a vida do Senhor, através do rosário, por exemplo, conhecerá a glória de Cristo e as tentações “baratas” do mundo perderão poder sobre ele. E por fim, Maria leva-nos à fé, porque ela mesma a praticou, de forma extraordinária, acompanhando o filho.


Maria, de facto, se repararmos bem, está presente nos momentos mais marcantes da salvação realizada por Jesus. Por isso, talvez ela torna a salvação mais acessível para todos nós. Obviamente não pôde não estar presente no momento da Encarnação, que se realizou no seu seio, e no do nascimento do Salvador. Mas também está ao seu lado no início da vida pública em Caná, está ao pé da cruz e finalmente em Pentecostes, onde se derrama sobre a Igreja o Espírito Santo, que torna o Senhor mais plenamente presente nos corações dos apóstolos. Vemos, assim, quão ligada está Ela ao Mistério do seu Filho.

Voltemos às bodas de Caná, para descobrirmos um pouco mais o que nos pode ensinar São João sobre Jesus e Maria. A um determinado momento, falta o vinho. Poucos ou ninguém, talvez, reparou. Mas Maria está atenta e actua com discrição. Penso que isso terá sido uma constante na vida de Nossa Senhora. Amou e resolveu muitas coisas nas vidas dos homens, mas actuando na sombra.

Então, ela avisa o Filho: “não têm vinho”. Como se ela esperasse que Ele resolvesse milagrosamente a situação. Mas como podia ela esperar tal coisa, se Jesus ainda não começou os milagres? Há aqui um mistério de penetração do coração do seu Filho que não podemos compreender bem, algo que talvez só uma mãe pode entender adequadamente. O facto é que ela recebe do Filho uma aparente negativa: “Mulher, que temos nós com isso? Ainda não chegou a minha hora”. Mas, outra vez, apesar das aparências, Maria acerta. No seu lugar, muitos teriam desistido. No entanto, ela sabe que, as vezes, um “não” de Deus, pode ser, no fundo, um “sim”. Com efeito, Deus pode pôr obstáculos, para que a fé do fiel se manifeste mais plenamente. E através da fé, o seu amor. Porque, na fé, há já muito amor. Com efeito, ter fé é crer no amor de Deus, acolhendo-o no coração. Quando a vida fica escura e Deus parece estar longe, a fé tem de ultrapassar-se a si mesma, tem de crer apesar de tudo e de todos que Deus é amor. É assim que, pouco a pouco, de prova em prova, a fé se vai tornando o centro da vida e, com ela, o amor.

Cristo faz o milagre, não sem ajuda dos criados, e a festa das bodas pode continuar. Mas agora podemos perguntar-nos: “Porque quis o Evangelista relatar-nos o modo como Jesus ajudou as pessoas a beberem até à saciedade numa festa? Não haveria milagres mais significativos que esse? Além disso, é este o primeiro milagre de Jesus, não deveria de algum modo resumir tudo o que Cristo vai obrar? Não esperávamos algo mais significativo? Parece-me que não. Penso até que esse primeiro milagre resume precisamente, de forma simbólica e magistral, tudo aquilo que Cristo fez e faz por nós. E também aqui aparece a colossal importância de Maria e de sua intercessão na obra da salvação.

Estas bodas não são outra coisa que o símbolo do “matrimónio” entre Deus e a humanidade. Sim, o plano de Deus é “casar-se” com a sua criatura, unir-se intimamente a ela. Não porque Ele a necessite, mas porque Ele ama dar e por isso dá-se sem contar. Mas este plano não tem futuro, porque falta o “vinho”, ou seja, a festa deverá terminar antes do previsto, pois o homem atraiçoou o amor de Deus com o pecado.

No entanto, as coisas não ficam por aqui. O Filho eterno encarna-se para dar o “vinho” que falta, mas não dará este “vinho” a um preço barato, porque o pecado não foi uma brincadeira. Uma vez, num parque, em França, vi uma criança mal-educada lançar uma bola suja no rosto da própria mãe, visivelmente com má intenção. Aquilo, logicamente, causou-me tristeza. Há coisas sagradas. Uma delas é o amor das mães. Mas, ainda mais sagrado, é o coração de Deus infinitamente mais maternal que o de qualquer criatura. A esta luz, podemos entender um pouco melhor quanto o pecado fere Deus. Por isso, como dizíamos, o Filho não o pode reparar a qualquer preço. O preço foi a cruz, ou seja, foi tomar sobre Si mesmo todo este pecado, sofrê-lo, para que conheçamos visivelmente quanto o nosso pecado faz sofrer Deus e que os actos da nossa liberdade têm as suas consequências. O preço foi o Seu Sangue derramado por amor, que o “vinho” simboliza.

Mas também Maria sofre incrivelmente com o pecado do homem. Por isso, a sua intervenção será importantíssima, como sugere a narração das bodas de Caná. Aquela que levou Cristo aos homens, deve sofrer juntamente com Ele pelos homens. “Uma espada atravessará o teu coração”, profetiza a Maria o ancião Simeão de que nos fala o Evangelho de Lucas. Quando a Beata Teresa de Calcutá ainda duvidava se devia ou não começar a cuidar os mais pobres dos pobres, Cristo lhe disse num colóquio místico: “claro ainda não dás valor às almas porque não tiveste que te afogar em dor por elas, como a minha Mãe e Eu”. É assim: se para nós, um dia, será possível aceder à festa sem fim do Céu é porque Jesus, sobretudo, mas também Maria, sofreram por nós com uma intensidade que não podemos imaginar.

Beata Teresa não recusou o convite do Senhor. Não se pode dizer não a quem tanto nos amou ao ponto de dar a vida por nós. Que este seja um doce e eficaz pensamento que acompanhe a nossa vida, um pensamento que amadureça, cresça, tome possessão do nosso coração, através da oração e dos sacramentos, ao ponto de determinar as nossas existências a actuar com generosidade. Não porque simplesmente é o nosso dever ser generoso, mas porque o amor chama-nos suavemente e insistentemente, como o fazia com a Beata Teresa. E recordemos um aspecto do episódio das bodas: explicitamente São João menciona os serventes que encheram as “talhas” com a água que depois se transformaria em vinho. E isso porque seguiram o conselho de Maria, que lhes pedia fazer tudo o que Cristo lhes havia de dizer. Todos nós somos estes serventes, chamados a ser servidores uns dos outros, com tarefas que podem talvez parecer insignificantes, mas que, ao fim ao cabo, são decisivas.

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