«Se oferecer a sua vida como vítima de expiação, terá uma descendência duradoira»
Leitura do Livro de Isaías
Aprouve ao Senhor esmagar o seu Servo pelo sofrimento.Mas, se oferecer a sua vida como vítima de expiação,terá uma descendência duradoira, viverá longos dias,e a obra do Senhor prosperará em suas mãos.Terminados os sofrimentos,verá a luz e ficará saciado.Pela sua sabedoria, o Justo, meu Servo, justificará a muitose tomará sobre si as suas iniquidades.
Palavra do Senhor.
LEITURA II Hebr 4, 14-16
«Vamos cheios de confiança ao trono da graça»
Irmãos:Tendo nós um sumo sacerdote que penetrou os Céus,Jesus, Filho de Deus,permaneçamos firmes na profissão da nossa fé.Na verdade, nós não temos um sumo sacerdoteincapaz de se compadecer das nossas fraquezas.Pelo contrário, Ele mesmo foi provado em tudo,à nossa semelhança, excepto no pecado.Vamos, portanto, cheios de confiança ao trono da graça,a fim de alcançarmos misericórdiae obtermos a graça de um auxílio oportuno.
Palavra do Senhor.
EVANGELHO Mc 10, 35-45
«O Filho do homem veio para dar a vida pela redenção de todos»
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
Naquele tempo,Tiago e João, filhos de Zebedeu,aproximaram-se de Jesus e disseram-Lhe:«Mestre, nós queremos que nos faças o que Te vamos pedir».Jesus respondeu-lhes:«Que quereis que vos faça?»Eles responderam:«Concede-nos que, na tua glória,nos sentemos um à tua direita e outro à tua esquerda».Disse-lhes Jesus:«Não sabeis o que pedis.Podeis beber o cálice que Eu vou bebere receber o baptismo com que Eu vou ser baptizado?»Eles responderam-Lhe: «Podemos».Então Jesus disse-lhes:«Bebereis o cálice que Eu vou bebere sereis baptizados com o baptismocom que Eu vou ser baptizado.Mas sentar-se à minha direita ou à minha esquerdanão Me pertence a Mim concedê-lo;é para aqueles a quem está reservado».Os outros dez, ouvindo isto,começaram a indignar-se contra Tiago e João.Jesus chamou-os e disse-lhes:«Sabeis que os que são considerados como chefes das naçõesexercem domínio sobre elase os grandes fazem sentir sobre elas o seu poder.Não deve ser assim entre vós:quem entre vós quiser tornar-se grande,será vosso servo,e quem quiser entre vós ser o primeiro,será escravo de todos;porque o Filho do homem não veio para ser servido,mas para servire dar a vida pela redenção de todos».
Palavra da salvação.
Homilia do Pe Antoine Coelho, LC
No Evangelho deste domingo, quem não vê reflectido na pergunta do jovem rico algo que late no coração de todos nós? Quem de entre nós não deseja no fundo de si mesmo elevar-se a uma zona espiritual de maior pureza onde deixem de reinar as motivações vigentes deste mundo baseadas muitas vezes no interesse próprio, no “dou-te para que me dês”. Quem não deseja viver nestes cumes luminosos que alguns conseguem alcançar onde o amor é para eles só isso, amor, e não um ingrediente mais da vida constantemente misturado com desejos menos nobres?
Pois esta era a zona espiritual onde habitualmente, onde quer que se encontrasse, respirava Cristo. E tal podia ser lido nos seus olhos, palavras, comportamentos, ao menos para os seus contemporâneos mais receptivos: um Pedro, por exemplo, que depois da pesca milagrosa, exclama “afasta-te de mim, Rabi, pois sou um homem pecador”. E não simplesmente a causa do milagre surpreendente. Havia algo parecido a uma luz superior onde morava espiritualmente o Mestre que de algum modo irradiava da sua pessoa. Algo desta dimensão superior onde morava o Senhor foi percebida pelo jovem do Evangelho de hoje, talvez não mais que um brilho furtivo, mas isso bastou para despertar um desejo que jazia no profundo do seu coração.
Assim somos muitas vezes os homens. Por mais que a nossa vida se disperse em inumeráveis actividades, deveres e interesses particulares, nas águas profundas do nosso coração um desejo silencioso mantém-se inalterado, uma espécie de fome do mais além, tão constante que a podemos esquecer mesmo se os seus efeitos sempre se fazem sentir, pois nada nos satisfaz neste mundo. Este desejo é parte do mistério do homem, a prova da sua pequenez, pois não consegue dar-se a si mesmo o que mais necessita, mas também um reflexo da sua grandeza, a demonstração do facto de que só ele em todo o mundo criado é imagem de Deus. Mas podem surgir na vida mil circunstâncias diversas, pequenas ou grandes, que por instantes nos liberam da superfície das coisas e tornam subitamente audível esta voz profunda que sem cessar nos chama: olhos habitados por uma alegria invulgarmente pura, o exemplo de uma vida transparente e coerente, a perda de quem amamos, um fracasso na vida… No caso do nosso jovem, nada mais nada menos que o Senhor eterno desta mesma voz em pessoa, a Palavra de Deus feita carne, a segunda Pessoa da Sma Trindade.
O Evangelho narra-nos que ficou tão impressionado com o Senhor que se aproximou correndo e se ajoelhou diante dele, para lhe perguntar o que devia fazer para alcançar a vida eterna. Tratava-se de um jovem piedoso, interessado talvez como poucos nas coisas de Deus. Com efeito, ao parecer tinha cumprido os dez mandamentos desde a juventude. E isso não lhe bastava? Porquê não se sentia satisfeito? Porque ser fiel aos dez mandamentos como ele o era não podia satisfazer, não podia saciar-lhe a fome de Deus. Provavelmente cumpria os mandamentos à letra, seguia as mais de 650 leis judaicas com grande rigor, talvez mesmo com obsessão, jejuava, orava e sacrificava-se em muitas ocasiões. Mas todos estes actos apenas brotavam de dimensões demasiado superficiais da sua pessoa e não implicavam o seu coração em profundidade. Este coração incessantemente com fome de Deus no fim de contas não rendia verdadeiramente um culto a Deus. Deus é amor, como diz São João, não é “costume”. Deus actua sempre por amor, não por costume.
Por isso o culto que nos pede não pode ser simplesmente uma serie de ritos seguidos minuciosamente, uma serie de costumes; efectivamente o nosso culto deve ser sacramental, mas vivendo os sacramentos como actos do coração. Mas nem mesmo isso basta: os sacramentos devem configurar a nossa vida, de tal modo que a nossa vida se torne eucarística, ou seja, uma constante oferta de si mesmo por amor aos irmãos.
Vemos assim como é importante não reduzir a nossa fé a uma serie de práticas religiosas, por mais necessárias e meritórias que sejam. Cristo não era assim. Todo ele era amor ao Pai, amor que se entregou até à cruz para cumprir o plano de salvação. Por isso, tudo nele era irradiação de uma força e de uma liberdade maravilhosa. A liberdade de um verdadeiro filho de Deus, presente em cada acto que realizava, porque cada um deles era uma autêntica oferta ao Pai, onde não tinha espaço o mercantilismo do servo que serve o patrão para receber em troca uma serie de dons. Claro, é bom amar os dons de Deus e buscar merecê-los, mas é mais importante amar o Senhor deste dom.
Então o que tinha de fazer este jovem para poder aceder a esta região espiritual superior onde vivia o Senhor? Tinha que fazer como S. João e Sto André quando encontraram o Mestre pela primeira vez. Narra o próprio Evangelho de S. João que lhe perguntaram: “Mestre onde moras?” Queriam estar com ele, não ter uma relação apenas circunstancial, limitada a umas quantas pregações ouvidas e momentos fugazes de oração. Buscavam algo mais estável que lhes pudesse alimentar realmente alma. A resposta de Cristo não se fez esperar: “vinde e vereis”. E, de facto, nunca mais o deixaram, enlaçaram decisivamente a sua vida ao “homem-Deus” até darem toda a sua vida por Ele. Algo parecido pediu o Senhor ao jovem do nosso Evangelho de hoje: “deixa os teus bens e segue-me, e assim terás um tesouro no céu”. Este era o preço. Se ele quisesse subir até às amplas alturas do Mestre e respirar o ar puro do amor de Deus, tinha que deixar o que o atava a este mundo demasiado pequeno e estreito para as suas aspirações. Curiosamente, não foi capaz e retirou-se pesaroso.
Mas este é também o preço que Deus nos pede. Queres estar comigo em plenitude? Queres viver da minha vida que não conhece ocasos e que é pura liberdade do amor? Então tens que me escolher. Mas escolher-me de verdade e, por isso, renunciar interiormente a pores o teu coração nas bagatelas desta vida que hoje são, mas pronto já hão de desaparecer. Mas isso não significa necessariamente vender os teus bens e consagrares-te a Deus. Não todos somos chamados a isso. Isso significa viver radicalmente para Deus no meio das pessoas e dos bens que tens, como se não os tivesses, segundo o ensinamento de São Paulo. Recusar-se a fazê-lo é condenar-se a provar toda a vida algo deste pesar e deste vazio que o jovem levou consigo no coração, porque não quis que nele reinasse o Senhor.
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