sábado, 27 de março de 2010

Passo a Rezar - leva contigo a tua oração

O Projecto Pass-a-rezar, pertence à comunidade jesuíta, e tem como objectivo que se leve em formato mp3 a oração do dia.

Os podcasts estão agrupados num ficheiro que tem todos os mp3 da semana, ou podemos fazer o download pelo dia. Têm disponíveis meditações da própria semana e da semana seguinte.

São cerca de 10 minutos de oração, no caminho da escola, da universidade ou do emprego.

Esta Semana Santa temos nesses podcasts a voz de Ruy Carvalho (conhecido actor português) e de Paula Carvalho (jornalista e filha de Ruy Carvalho).

Tenha mais informação e faça os seus donwloads do site Passo a Rezar.

A equipa,
Homilias e Orações

Boa Semana Santa e Santa Páscoa a todos

Caros amigos:

Até ao dia 8 de Abril, por causa da Semana Santa e das missões que terei de realizar não poderei escrever as homilias. Tenho-os todos presentes nas minhas orações e desejo que possam aproveitar as imensas graças que Deus nos quer oferecer nas celebrações de Semana Santa e Pascoa.

Que Deus os guarde.

Em Cristo, P. Antoine, LC

______________________________

Contudo vamos disponibilizar as leituras da Semana Santa, para que as possam acompanhar online.

Boa Semana Santa e Santa Páscoa a todos,

Pedro Mestre

Domingo de Ramos, Ano C

LEITURA I Is 50, 4-7

«Não desviei o meu rosto dos que Me ultrajavam, mas sei que não ficarei desiludido»

Leitura do Livro de Isaías
O Senhor deu-me a graça de falar como um discípulo,
para que eu saiba dizer uma palavra de alento
aos que andam abatidos.
Todas as manhãs Ele desperta os meus ouvidos,
para eu escutar, como escutam os discípulos.
O Senhor Deus abriu-me os ouvidos
e eu não resisti nem recuei um passo.
Apresentei as costas àqueles que me batiam
e a face aos que me arrancavam a barba;
não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam.
Mas o Senhor Deus veio em meu auxílio,
e por isso não fiquei envergonhado;
tornei o meu rosto duro como pedra,
e sei que não ficarei desiludido.
Palavra do Senhor.

LEITURA II Filip 2, 6-11

«Humilhou-Se a Si próprio; por isso Deus O exaltou»

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Filipenses
Cristo Jesus, que era de condição divina,
não Se valeu da sua igualdade com Deus,
mas aniquilou-Se a Si próprio.
Assumindo a condição de servo,
tornou-Se semelhante aos homens.
Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais,
obedecendo até à morte e morte de cruz.
Por isso Deus O exaltou
e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes,
para que ao nome de Jesus todos se ajoelhem
no céu, na terra e nos abismos,
e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor,
para glória de Deus Pai.
Palavra do Senhor.

EVANGELHO (Forma longa) Lc 22, 14 __ 23, 56

Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo


N - Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Quando chegou a hora,
Jesus sentou-Se à mesa com os seus Apóstolos
e disse-lhes:
J - «Tenho desejado ardentemente comer convosco esta Páscoa,
antes de padecer;
pois digo-vos que não tornarei a comê-la,
até que se realize plenamente no reino de Deus».
N - Então, tomando um cálice, deu graças e disse:
J - «Tomai e reparti entre vós,
pois digo-vos que não tornarei a beber do fruto da videira,
até que venha o reino de Deus».
N - Depois tomou o pão e, dando graças,
partiu-o e deu-lho, dizendo:
J - «Isto é o meu Corpo entregue por vós.


Fazei isto em memória de Mim».
N No fim da ceia, fez o mesmo com o cálice, dizendo:
J - «Este cálice é a nova aliança no meu Sangue,
derramado por vós.
Entretanto, está comigo à mesa
a mão daquele que Me vai entregar.
O Filho do homem vai partir, como está determinado.
Mas ai daquele por quem Ele vai ser entregue!».
N - Começaram então a perguntar uns aos outros
qual deles iria fazer semelhante coisa.
Levantou-se também entre eles uma questão:
qual deles se devia considerar o maior?
Disse-lhes Jesus:
J - «Os reis das nações exercem domínio sobre elas,
e os que têm sobre elas autoridade são chamados benfeitores.
Vós não deveis proceder desse modo.
O maior entre vós seja como o menor,
e aquele que manda seja como quem serve.
Pois quem é o maior: o que está à mesa ou o que serve?
Não é o que está à mesa?
Ora Eu estou no meio de vós como aquele que serve.
Vós estivestes sempre comigo nas minhas provações.
E Eu preparo para vós um reino,
como meu Pai o preparou para Mim:
comereis e bebereis à minha mesa, no meu reino,
e sentar-vos-eis em tronos,
a julgar as doze tribos de Israel.
Simão, Simão, Satanás vos reclamou
para vos agitar na joeira como trigo.
Mas Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça.
E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos».
N - Pedro respondeu-Lhe:
R - «Senhor, eu estou pronto a ir contigo,
até para a prisão e para a morte».
N Disse-lhe Jesus:
J - «Eu te digo, Pedro: Não cantará hoje o galo,
sem que tu, por três vezes, negues conhecer-Me».
N - Depois acrescentou:


J - «Quando vos enviei sem bolsa nem alforge nem sandálias,
faltou-vos alguma coisa?».
N - Eles responderam que não lhes faltara nada.
Disse-lhes Jesus:
J - «Mas agora, quem tiver uma bolsa pegue nela,
bem como no alforge;
e quem não tiver espada venda a capa e compre uma.
Porque Eu vos digo
que se deve cumprir em Mim o que está escrito:
‘Foi contado entre os malfeitores’.
Na verdade, o que Me diz respeito está a chegar ao fim».
N - Eles disseram:
R - «Senhor, estão aqui duas espadas».
N - Mas Jesus respondeu:
J - «Basta».
N - Então saiu
e foi, como de costume, para o monte das Oliveiras,
e os discípulos acompanharam-n’O.
Quando chegou ao local, disse-lhes:
J - «Orai, para não entrardes em tentação».
N - Depois afastou-Se deles cerca de um tiro de pedra
e, pondo-Se de joelhos, começou a orar, dizendo:
J - «Pai, se quiseres, afasta de Mim este cálice.
Todavia, não se faça a minha vontade, mas a tua».
N - Então apareceu-Lhe um Anjo, vindo do Céu, para O confortar.
Entrando em angústia, orava mais instantemente,
e o suor tornou-se-Lhe como grossas gotas de sangue,
que caíam na terra.
Depois de ter orado,
levantou-Se e foi ter com os discípulos,
que encontrou a dormir, por causa da tristeza.
Disse-lhes Jesus:
J - «Porque estais a dormir?
Levantai-vos e orai, para não entrardes em tentação».
N - Ainda Ele estava a falar,
quando apareceu uma multidão de gente.
O chamado Judas, um dos Doze, vinha à sua frente


e aproximou-se de Jesus, para O beijar.
Disse-lhe Jesus:
J - «Judas, é com um beijo que entregas o Filho do homem?».
N - Ao verem o que ia suceder,
os que estavam com Jesus perguntaram-Lhe:
R - «Senhor, vamos feri-los à espada?».
N - E um deles feriu o servo do sumo sacerdote,
cortando-lhe a orelha direita.
Mas Jesus interveio, dizendo:
J - «Basta! Deixai-os».
N - E, tocando na orelha do homem, curou-o.
Disse então Jesus aos que tinham vindo ao seu encontro,
príncipes dos sacerdotes, oficiais do templo e anciãos:
J - «Vós saístes com espadas e varapaus,
como se viésseis ao encontro dum salteador.
Eu estava todos os dias convosco no templo
e não Me deitastes as mãos.
Mas esta é a vossa hora e o poder das trevas.
N - Apoderaram-se então de Jesus,
levaram-n’O e introduziram-n’O em casa do sumo sacerdote.
Pedro seguia-os de longe.
Acenderam uma fogueira no meio do pátio,
sentaram-se em volta dela,
e Pedro foi sentar-se no meio deles.
Ao vê-lo sentado ao lume,
uma criada, fitando os olhos nele, disse:
R - «Este homem também andava com Jesus».
N - Mas Pedro negou:
R - «Não O conheço, mulher».
N - Pouco depois, disse outro, ao vê-lo:
R - «Tu também és um deles».
N - Mas Pedro disse:
R - «Homem, não sou».
N - Passada mais ou menos uma hora,
afirmava outro com insistência:
R - «Esse homem, com certeza, também andava com Jesus,
pois até é galileu».
N - Pedro respondeu:


R - «Homem, não sei o que dizes».
N - Nesse instante __ ainda ele falava __ um galo cantou.
O Senhor voltou-Se e fitou os olhos em Pedro.
Então Pedro lembrou-se da palavra do Senhor,
quando lhe disse:
‘Antes de o galo cantar, Me negarás três vezes’.
E, saindo para fora, chorou amargamente.
Entretanto, os homens que guardavam Jesus
troçavam d’Ele e maltratavam-n’O.
Cobrindo-Lhe o rosto, perguntavam-Lhe:
R - «Adivinha, profeta: Quem Te bateu?».
N - E dirigiam-Lhe muitos outros insultos.
Ao romper do dia,
reuniu-se o conselho dos anciãos do povo,
os príncipes dos sacerdotes e os escribas.
Levaram-n’O ao seu tribunal e disseram-Lhe:
R - «Diz-nos se Tu és o Messias».
N - Jesus respondeu-lhes:
J - «Se Eu vos disser, não acreditareis
e, se fizer alguma pergunta, não respondereis.
Mas o Filho do homem sentar-Se-á doravante
à direita do poder de Deus».
N - Disseram todos:
R - «Tu és então o Filho de Deus?».
N - Jesus respondeu-lhes:
J - «Vós mesmos dizeis que Eu sou».
N - Então exclamaram:
R - «Que necessidade temos ainda de testemunhas?
Nós próprios o ouvimos da sua boca».
N - Levantaram-se todos e levaram Jesus a Pilatos.
Começaram a acusá-l’O, dizendo:
R - «Encontrámos este homem a sublevar o nosso povo,
a impedir que se pagasse o tributo a César
e dizendo ser o Messias-Rei».
N - Pilatos perguntou-Lhe:
R - «Tu és o Rei dos Judeus?».
N Jesus respondeu-lhe:


J - «Tu o dizes».
N - Pilatos disse aos príncipes dos sacerdotes e à multidão:
R - «Não encontro nada de culpável neste homem».
N - Mas eles insistiam:
R - «Amotina o povo, ensinando por toda a Judeia,
desde a Galileia, onde começou, até aqui».
N - Ao ouvir isto, Pilatos perguntou se o homem era galileu;
e, ao saber que era da jurisdição de Herodes,
enviou-O a Herodes,
que também estava nesses dias em Jerusalém.
Ao ver Jesus, Herodes ficou muito satisfeito.
Havia bastante tempo que O queria ver,
pelo que ouvia dizer d’Ele,
e esperava que fizesse algum milagre na sua presença.
Fez-Lhe muitas perguntas, mas Ele nada respondeu.
Os príncipes dos sacerdotes e os escribas que lá estavam
acusavam-n’O com insistência.
Herodes, com os seus oficiais, tratou-O com desprezo
e, por troça, mandou-O cobrir com um manto magnífico
e remeteu-O a Pilatos.
Herodes e Pilatos, que eram inimigos,
ficaram amigos nesse dia.
Pilatos convocou os príncipes dos sacerdotes,
os chefes e o povo, e disse-lhes:
R - «Trouxestes este homem à minha presença
como agitador do povo.
Interroguei-O diante de vós
e não encontrei n’Ele nenhum dos crimes de que O acusais.
Herodes também não, uma vez que no-l’O mandou de novo.
Como vedes, não praticou nada que mereça a morte.
Vou, portanto, soltá-l’O, depois de O mandar castigar».
N - Pilatos tinha obrigação de lhes soltar um preso
por ocasião da festa.
E todos se puseram a gritar:
R - «Mata Esse e solta-nos Barrabás».
N - Barrabás tinha sido metido na cadeia


por causa de uma insurreição desencadeada na cidade
e por assassínio.
De novo Pilatos lhes dirigiu a palavra,
querendo libertar Jesus.
Mas eles gritavam:
R - «Crucifica-O! Crucifica-O!».
N - Pilatos falou-lhes pela terceira vez:
R - «Mas que mal fez este homem?
Não encontrei n’Ele nenhum motivo de morte.
Por isso vou soltá-l’O, depois de O mandar castigar».
N - Mas eles continuavam a gritar,
pedindo que fosse crucificado,
e os seus clamores aumentavam de violência.
Então Pilatos decidiu fazer o que eles pediam:
soltou aquele que fora metido na cadeia
por insurreição e assassínio,
como eles reclamavam,
e entregou-lhes Jesus para o que eles queriam.
Quando O conduziam,
lançaram mão de um certo Simão de Cirene,
que vinha do campo,
e puseram-lhe a cruz às costas,
para a levar atrás de Jesus.
Seguia-O grande multidão de povo
e mulheres que batiam no peito
e se lamentavam, chorando por Ele.
Mas Jesus voltou-Se para elas e disse-lhes:
J - «Filhas de Jerusalém, não choreis por Mim;
chorai antes por vós mesmas e pelos vossos filhos;
pois dias virão em que se dirá:
‘Felizes as estéreis, os ventres que não geraram
e os peitos que não amamentaram’.
Começarão a dizer aos montes: ‘Caí sobre nós’;
e às colinas: ‘Cobri-nos’.
Porque, se tratam assim a madeira verde,
que acontecerá à seca?».
N - Levavam ainda dois malfeitores


para serem executados com Jesus.
Quando chegaram ao lugar chamado Calvário,
crucificaram-n’O a Ele e aos malfeitores,
um à direita e outro à esquerda.
Jesus dizia:
J - «Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem».
N - Depois deitaram sortes,
para repartirem entre si as vestes de Jesus.
O povo permanecia ali a observar.
Por sua vez, os chefes zombavam e diziam:
R - «Salvou os outros: salve-Se a Si mesmo,
se é o Messias de Deus, o Eleito».
N - Também os soldados troçavam d’Ele;
aproximando-se para Lhe oferecerem vinagre, diziam:
R - «Se és o Rei dos Judeus, salva-Te a Ti mesmo».
N - Por cima d’Ele havia um letreiro:
«Este é o Rei dos Judeus».
Entretanto, um dos malfeitores que tinham sido crucificados
insultava-O, dizendo:
R - «Não és Tu o Messias?
Salva-Te a Ti mesmo e a nós também».
N Mas o outro, tomando a palavra, repreendeu-o:
R - «Não temes a Deus,
tu que sofres o mesmo suplício?
Quanto a nós, fez-se justiça,
pois recebemos o castigo das nossas más acções.
Mas Ele nada praticou de condenável».
N - E acrescentou:
R - «Jesus, lembra-Te de mim,
quando vieres com a tua realeza».
N - Jesus respondeu-lhe:
J - «Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso».
N - Era já quase meio-dia,
quando as trevas cobriram toda a terra,
até às três horas da tarde,
porque o sol se tinha eclipsado.
O véu do templo rasgou-se ao meio.


E Jesus exclamou com voz forte:
J - «Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito».
N - Dito isto, expirou.
Vendo o que sucedera,
o centurião deu glória a Deus, dizendo:
R - «Realmente este homem era justo».
N - E toda a multidão que tinha assistido àquele espectáculo,
ao ver o que se passava, regressava batendo no peito.
Todos os conhecidos de Jesus,
bem como as mulheres que O acompanhavam
desde a Galileia,
mantinham-se à distância, observando estas coisas.
Havia um homem chamado José, da cidade de Arimateia,
que era pessoa recta e justa e esperava o reino de Deus.
Era membro do Sinédrio, mas não tinha concordado
com a decisão e o proceder dos outros.
Foi ter com Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus.
E, depois de o ter descido da cruz,
envolveu-o num lençol
e depositou-o num sepulcro escavado na rocha,
onde ninguém ainda tinha sido sepultado.
Era o dia da Preparação
e começavam a aparecer as luzes do sábado.
Entretanto,
as mulheres que tinham vindo com Jesus da Galileia
acompanharam José e observaram o sepulcro
e a maneira como fora depositado o corpo de Jesus.
No regresso, prepararam aromas e perfumes.
E no sábado guardaram o descanso, conforme o preceito.
Palavra da salvação.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Domingo V da Quaresma, Ano C

LEITURA I Is 43, 16-21

«Vou realizar uma coisa nova: matarei a sede ao meu povo»

Leitura do Livro de Isaías
O Senhor abriu outrora caminhos através do mar,
veredas por entre as torrentes das águas.
Pôs em campanha carros e cavalos,
um exército de valentes guerreiros;
e todos caíram para não mais se levantarem,
extinguiram-se como um pavio que se apaga.
Eis o que diz o Senhor:
«Não vos lembreis mais dos acontecimentos passados,
não presteis atenção às coisas antigas.
Olhai: vou realizar uma coisa nova,
que já começa a aparecer; não a vedes?
Vou abrir um caminho no deserto,
fazer brotar rios na terra árida.
Os animais selvagens __ chacais e avestruzes __
proclamarão a minha glória,
porque farei brotar água no deserto,
rios na terra árida,
para matar a sede ao meu povo escolhido,
o povo que formei para Mim
e que proclamará os meus louvores».
Palavra do Senhor.


LEITURA II Filip 3, 8-14

«Por Cristo, considerei todas as coisas como prejuízo, configurando-me à sua morte»

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Filipenses
Irmãos:
Considero todas as coisas como prejuízo,
comparando-as com o bem supremo,
que é conhecer Jesus Cristo, meu Senhor.
Por Ele renunciei a todas as coisas
e considerei tudo como lixo,
para ganhar a Cristo
e n’Ele me encontrar,
não com a minha justiça que vem da Lei,
mas com a que se recebe pela fé em Cristo,
a justiça que vem de Deus e se funda na fé.
Assim poderei conhecer Cristo,
o poder da sua ressurreição
e a participação nos seus sofrimentos,
configurando-me à sua morte,
para ver se posso chegar à ressurreição dos mortos.
Não que eu tenha já chegado à meta,
ou já tenha atingido a perfeição.
Mas continuo a correr, para ver se a alcanço,
uma vez que também fui alcançado por Cristo Jesus.
Não penso, irmãos, que já o tenha conseguido.
Só penso numa coisa:
esquecendo o que fica para trás,
lançar-me para a frente, continuar a correr para a meta,
em vista do prémio a que Deus, lá do alto,
me chama em Cristo Jesus.
Palavra do Senhor.

EVANGELHO Jo 8, 1-11

«Quem de entre vós estiver sem pecado atire a primeira pedra»

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Naquele tempo,
Jesus foi para o Monte das Oliveiras.
Mas de manhã cedo, apareceu outra vez no templo
e todo o povo se aproximou d’Ele.
Então sentou-Se e começou a ensinar.
Os escribas e os fariseus apresentaram a Jesus
uma mulher surpreendida em adultério,
colocaram-na no meio dos presentes e disseram a Jesus:
«Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério.
Na Lei, Moisés mandou-nos apedrejar tais mulheres.
Tu que dizes?».
Falavam assim para Lhe armarem uma cilada
e terem pretexto para O acusar.
Mas Jesus inclinou-Se
e começou a escrever com o dedo no chão.
Como persistiam em interrogá-l’O,
ergueu-Se e disse-lhes:
«Quem de entre vós estiver sem pecado
atire a primeira pedra».
Inclinou-Se novamente e continuou a escrever no chão.
Eles, porém, quando ouviram tais palavras,
foram saindo um após outro, a começar pelos mais velhos,
e ficou só Jesus e a mulher, que estava no meio.
Jesus ergueu-Se e disse-lhe:
«Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?».
Ela respondeu: «Ninguém, Senhor».
Disse então Jesus:
«Nem Eu te condeno.
Vai e não tornes a pecar».
Palavra da salvação.

Homilia Pe. Antoine Coelho, LC
Domingo V da Quaresma

Isaías, na primeira leitura deste domingo, mostra-nos com a eloquência que o caracteriza como o Senhor, no passado, realizou grandes coisas pelos judeus. Salvou-os da morte, da escravidão e dos seus inimigos. A imagem fundamental com a que se quer simbolizar esta salvação é o caminho através do mar, o qual, como sabemos, representa a morte, no mundo bíblico. Os egípcios ficaram sepultados debaixo das águas. Graças à intervenção de Deus, o que causou a morte aos egípcios foi caminho de salvação para os judeus. Cristo usará esta simbologia quando caminhará por cima das águas da Lago de Galileia, mostrando-se assim mais forte que a mesma morte.

Mas Isaías adverte que isso foi pouco e que, além disso, não devem olhar ter os olhos fixos no passado, mas para as novas obras de Deus. As civilizações humanas são as que, mais cedo ou mais tarde, quando chega o tempo da sua decadência, não podem senão limitar-se a olhar as grandes conquistas de outros tempos, pois as forças e energias humanas terminam por se cansarem. Também é natural que os homens, ao chegarem ao fim das suas vidas, tendam inexoravelmente a deixar que os seus pensamentos sejam prisioneiros do seu passado. Mas Deus revoluciona esta lógica. É o Deus da vida, é o Deus que nunca envelhece e que, por isso, confere a quem o ama uma força inesgotável de esperança.

“Olhai”, exclama Isaías, “vou realizar um coisa nova, que já começa a aparecer; não a vedes?” E qual é essa realidade nova? É um caminho, não já através do mar, mas através do deserto, ao longo do qual Deus vai “fazer brotar rios na terra árida”. Para matar a sede. Passar através do mar simbolizava o ser salvado da morte. Os rios de água simbolizam já a vida. Se Deus os tinha salvado da morte, antes, agora pretende dar-lhes a vida. Em que sentido?

O Evangelho pode ajudar-nos. Apresentam uma mulher pecadora a Jesus, alguém que foi surpreendido em flagrante delito de adultério e perguntam ao Senhor se a devem apedrejar, seguindo assim a lei de Moisés. Como é possível que a lei de Moisés seja tão dura? Cristo revela-nos a razão profunda noutra passagem do Evangelho, em que se discute se o marido deve ou não repudiar a mulher em certas ocasiões. Cristo responde que não, dado que no início não era assim, mas que, a causa da dureza dos corações, Moisés teve de permitir esta realidade.

É esta também, no fundo, a razão pela qual práticas, como o apedrejamento dos pecadores, tinham sido permitidas na lei antiga. Sim, os judeus escaparam da morte e da escravidão do Egipto, mas não totalmente, pois a morte ainda tem o seu poder, a causa da dureza do coração. É por esta razão que levam a Cristo a pecadora. Não lhes importa expor esta mulher a uma morte tão selvagem: conta somente o seu propósito de surpreender Jesus numa falta à lei. Essa mulher não é mais que um objecto em suas mãos. Isso é o que significa ter um coração duro. É um coração hermeticamente fechado, no qual o próximo não vive, não tem realmente um lugar, e está reduzido ao estado de coisa.

Cristo mostra bem qual é a verdadeira origem desta lei, e também o motivo profundo pelo qual o seu coração está duro, quando lhes diz que todo aquele que estiver sem pecado mande a primeira pedra. Esta resposta não é simplesmente uma astúcia de Cristo, para salvar-se de uma situação delicada. Diz-lhes implicitamente aos judeus algo de uma importância fundamental: tu que pecaste tantas vezes, não perdeste o direito à paciência de um Deus, que uma e outra vez espera a tua conversão, e agora não és capaz de ser paciente com esta mulher? A verdadeira lei, a única lei, é actuar com os outros como Deus actua com os homens.

Então vemos que esta terrível incapacidade de reconhecer o amor de Deus, o qual é paciente e perdoa aos homens, é a essência da dureza de coração e a razão fundamental pela qual nascem as obras da morte. Quem se sabe amado por Deus, ama. Quem sabe que o fundamento mesmo do universo, de tudo o que existe, me ama, torna-se capaz de amar todos e todas as coisas. E por isso mesmo, quem começa a ver Deus como uma realidade impessoal, uma espécie de energia, está atentando no ponto mais fundamental contra a sua capacidade de amar, de perdoar, de ir sinceramente ao encontro dos outros.

Mas voltemos ao texto de Isaías, que nos recorda que a grande obra de Deus será fazer brotar rios de água viva das terras áridas. Perguntávamo-nos em que sentido agora o Senhor pensava dar a vida. Ora bem, sabemos que, na Bíblia, os rios de água são o símbolo do Espírito Santo. Então, o novo grande milagre do Senhor, maior que o anterior, milagre de dar a vida ao povo, não significa outra coisa, que encher do seu amor os corações duros, os corações áridos. Mas sublinhemos bem isso: Deus não quer encher de amor os corações do homem, quer enchê-los do seu amor. Para que o homem deixe de amar fragilmente e finalmente comece a amar divinamente, a amar realmente como filho de Deus. Ou melhor ainda: para que o Espírito Santo ame nele.

Quando Cristo murmurará na cruz “tenho sede”, não se referirá a outra coisa senão isso: tem sede de contemplar os corações humanos repletos dessa água viva. Mas de onde vem essa água viva? Qual é a única fonte da mesma para o homem? É Cristo, é somente o seu coração: “Mas ao chegarem a Jesus”, diz São João, “como o viram já morto, não lhe romperam as pernas, mas um dos soldados trespassou-lhe o lado com uma lança e naquele instante saiu sangue e água”.

Mas em tudo isso existe um elemento importante de que nos recorda São Paulo e ao qual aludíamos ao início desta homilia. Para receber este dom da água viva em plenitude, devemos olhar para a frente e correr para a frente. O que Deus nos deu até agora é pouco comparado com o que ainda tem reservado. Mas atenção: subir ao encontro com Deus não é uma prova de alpinismo, em que o cansaço vai acumulando-se. Quem se vai aproximando de Deus, tem cada vez mais forças para subir e quem se vai afastando cada vez menos vontade de se acercar. Porquê? Porque as forças não vêm do homem, mas de Deus. No entanto, sempre existirá a tentação de parar, de se dar por satisfeito, de olhar para si e para as conquistas passadas.

São Paulo seria talvez a pessoa com mais direito a ter uma atitude deste género. Ele que “trabalhou mais que todos”, como nos recorda a carta aos Gálatas. E no entanto, aí está a grandeza de alma deste homem: “não penso, irmãos, que já o tenha conseguido; só penso numa coisa, esquecendo o que fica para trás, lançar-me para a frente, continuar a correr para a meta, em vista do prémio a que Deus, lá do alto, me chama em Cristo Jesus”.

Sim, não importa o que tenhamos feito no passado, seja isso bom ou até mesmo mau, como no caso da mulher pecadora. Deus espera-nos com os braços abertos. Todo um futuro se abre para a mulher pecadora, a qual segundo a justiça humana tinha perdido todo direito a um futuro. Rios de água viva hão-de brotar do seu coração árido, se ela for fiel à chamada de Deus, rios que a sua vez hão-de saciar a muitos. Que esta seja também a nossa santa ambição nesta vida.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Domingo IV da Quaresma, Ano C

LEITURA I  Jos 5, 9a.10-12

Tendo entrado na terra prometida, o povo de Deus celebra a Páscoa

Leitura do Livro de Josué
Naqueles dias,
disse o Senhor a Josué:
«Hoje tirei de vós o opróbrio do Egipto».
Os filhos de Israel acamparam em Gálgala
e celebraram a Páscoa,
no dia catorze do mês, à tarde,
na planície de Jericó.
No dia seguinte à Páscoa,
comeram dos frutos da terra:
pães ázimos e espigas assadas nesse mesmo dia.
Quando começaram a comer dos frutos da terra,
no dia seguinte à Páscoa,
cessou o maná.
Os filhos de Israel não voltaram a ter o maná,
mas, naquele ano,
já se alimentaram dos frutos da terra de Canaã.
Palavra do Senhor.

LEITURA II 2 Cor 5, 17-21

«Por Cristo, Deus reconciliou-nos consigo»

Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios
Irmãos:
Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura.
As coisas antigas passaram; tudo foi renovado.
Tudo isto vem de Deus,
que por Cristo nos reconciliou consigo
e nos confiou o ministério da reconciliação.
Na verdade, é Deus que em Cristo reconcilia o mundo consigo,
não levando em conta as faltas dos homens
e confiando-nos a palavra da reconciliação.
Nós somos, portanto, embaixadores de Cristo;
é Deus quem vos exorta por nosso intermédio.
Nós vos pedimos em nome de Cristo:
reconciliai-vos com Deus.
A Cristo, que não conhecera o pecado,
Deus identificou-O com o pecado por causa de nós,
para que em Cristo nos tornemos justiça de Deus.
Palavra do Senhor.


EVANGELHO Lc 15, 1-3.11-32

«Este teu irmão estava morto e voltou à vida»

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo,
os publicanos e os pecadores
aproximavam-se todos de Jesus, para O ouvirem.
Mas os fariseus e os escribas murmuravam entre si, dizendo:
«Este homem acolhe os pecadores e come com eles».
Jesus disse-lhes então a seguinte parábola:
«Um homem tinha dois filhos.
O mais novo disse ao pai:
‘Pai, dá-me a parte da herança que me toca’.
O pai repartiu os bens pelos filhos.
Alguns dias depois, o filho mais novo,
juntando todos os seus haveres, partiu para um país distante
e por lá esbanjou quanto possuía,
numa vida dissoluta.
Tendo gasto tudo,
houve uma grande fome naquela região
e ele começou a passar privações.
Entrou então ao serviço de um dos habitantes daquela terra,
que o mandou para os seus campos guardar porcos.
Bem desejava ele matar a fome
com as alfarrobas que os porcos comiam,
mas ninguém lhas dava.
Então, caindo em si, disse:
‘Quantos trabalhadores de meu pai têm pão em abundância,
e eu aqui a morrer de fome!
Vou-me embora, vou ter com meu pai e dizer-lhe:
Pai, pequei contra o Céu e contra ti.
Já não mereço ser chamado teu filho,
mas trata-me como um dos teus trabalhadores’.
Pôs-se a caminho e foi ter com o pai.
Ainda ele estava longe, quando o pai o viu:
encheu-se de compaixão
e correu a lançar-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos.
Disse-lhe o filho:
‘Pai, pequei contra o Céu e contra ti.
Já não mereço ser chamado teu filho’.
Mas o pai disse aos servos:
‘Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha.
Ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés.
Trazei o vitelo gordo e matai-o.
Comamos e festejemos,
porque este meu filho estava morto e voltou à vida,
estava perdido e foi reencontrado’.
E começou a festa.
Ora o filho mais velho estava no campo.
Quando regressou,
ao aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças.
Chamou um dos servos e perguntou-lhe o que era aquilo.
O servo respondeu-lhe:
‘O teu irmão voltou
e teu pai mandou matar o vitelo gordo,
porque ele chegou são e salvo’.
Ele ficou ressentido e não queria entrar.
Então o pai veio cá fora instar com ele.
Mas ele respondeu ao pai:
‘Há tantos anos que eu te sirvo,
sem nunca transgredir uma ordem tua,
e nunca me deste um cabrito
para fazer uma festa com os meus amigos.
E agora, quando chegou esse teu filho,
que consumiu os teus bens com mulheres de má vida,
mataste-lhe o vitelo gordo’.
Disse-lhe o pai:
‘Filho, tu estás sempre comigo
e tudo o que é meu é teu.
Mas tínhamos de fazer uma festa e alegrar-nos,
porque este teu irmão estava morto e voltou à vida,
estava perdido e foi reencontrado’».
Palavra da salvação.
Homilia Pe. Antoine Coelho, LC
Domingo IV da Quaresma

Nesta Quaresma não podíamos deixar de meditar sobre a parábola do filho pródigo. É o que nos propõe a liturgia para este quarto domingo de Quaresma. Mais que ouvir ou ler uma pregação ao respeito, deve ser meditada com calma. Convém que cada um de nós tome a parábola (Lc 15,11-32), a leia sem pressa e possa usá-la como ponto de partida para um diálogo com Deus de coração a coração.

Porque é tão importante este Evangelho? Pois aqui, Deus revela-nos com clareza extraordinária o seu coração de Pai. Quem diante do mal deste mundo, das suas misérias e pecados, duvide que possa existir um Deus bom, pois “Deus seguramente não permitiria tais coisas” deveria reflectir sobre quanto está dito nesta passagem. Um teólogo protestante do século passado, Moltmann, perguntava-se se ainda podíamos falar de Deus depois de Auschwitz. Ele mismo deu a resposta: “Depois de Auschwitz, somente pode-se falar de Deus”. Pois os campos de concentração mostraram claramente aquilo de que o homem é capaz sem o Senhor.

Sim, quem lê, contempla, medita neste trecho dá-se conta que aqui há um tal amor de Deus pelo homem, que nada é mais urgente, hoje em dia, que reintroduzir Deus em todas as dimensões da nossa vida. O filho mais novo da história, é precisamente o que busca evitar. Sente um grande tédio pela casa paterna, ou seja, um grande tédio pelas coisas de Deus. Nunca as entendeu, porque nunca quis abandonar a própria lógica. É como os interlocutores de Cristo durante a sua Paixão. Pilatos pergunta ao Senhor quem é Ele. Cristo não responde. Efectivamente Deus não responde a quem o busca centrado fundamentalmente no interesse próprio. Ou melhor: Deus sempre fala de alguma maneira, sempre responde, mas não o pode ouvir quem só se ouve a si mesmo. Quem sai dos estreitos confins de si mesmo, dos seus esquemas mentais, dos seus conceitos e hábitos demasiado pessoais, descobre, do outro lado da sua porta, um mundo resplandecente, porque através dele, de modo misterioso, precisamente quem resplandece é Deus.

Mas o filho mais novo nunca entendeu essas coisas, não é capaz de apreciar a beleza da vida com o pai. Esse pai, por mais bondoso que seja, é um limite para ele, é uma barreira para tantas coisas divertidas, que vê talvez os amigos realizarem. Por isso, pede a herança. E o mais curioso é que o pai a dá, sem oferecer o “não” rotundo que todos esperaríamos. Mas é que não se importa com o filho?

Este “dar a herança” aparentemente sem grandes resistências, é um episódio que se repetiu inúmeras vezes na história da humanidade. Acontece cada vez que o homem apodera-se da criação, sem qualquer referência ao Criador. Não poderá gozar assim mais da criação? Mas é nestas decisões que começa o que mais tarde originará os Auschwitz, os campos de concentração siberianos, os abortos em massa, as guerras fratricidas, as limpezas étnicas, e, já antes, as quase ilimitadas trafulhices, injustiças e enganos que compõem a vida sobre esta terra. Porque Deus dá tantas facilidades ao homem contemporâneo para “gozar da herança”, para desenvolver a ciência, a economia, a política de forma irresponsável? Diante disso, há quem pense que Deus não pode ser uma realidade pessoal, consciente, inteligente, capaz de amar.

O que não vêm é que é precisamente porque ama o filho, que o pai o deixa sair de casa. Retirar-lhe esta liberdade é destrui-lo, é encerrá-lo numa prisão. Quando Deus criou o homem, fez-lhe esse dom incrível da liberdade e sabia bem o risco implicado. É como quando pais têm um filho. Sabem que esse filho pode tornar-se o inferno da sua vida, pois é livre, mas é preciso amar pouco para não o querer ter. Era tão grande o amor de Deus e o dom da vida que fazia, que estava disposto a sofrer o que fosse necessário para mantê-lo. A história ensinou-nos na cruz, até que ponto Deus foi capaz de amar a liberdade da sua criatura.

Conhecemos o que segue na parábola. A vida corre mal ao filho ingrato, como não podia deixar de ser. Mostrou que não sabia amar. Como lhe podia correr bem a vida? Termina arruinado e deve dedicar-se a cuidar de porcos. Suprema humilhação para um judeu! Chegou ao ponto mais baixo possível. Aqui também a história da humanidade oferece-nos exemplos inesgotáveis. O homem sem Deus chega a uma violência, uma brutalidade, um atropelo à própria dignidade, de que os animais são absolutamente incapazes. Mas no ponto mais baixo chega a luz, às vezes a luz mais forte que se possa imaginar. Não é na cruz, ou seja, no assassínio de Deus, onde brilha mais que nunca o amor de Deus? Não foi em Auschwitz onde brilhou Maximiliano Kolbe, que tomou o lugar de um condenado a morrer de fome e de sede?

Mas é também nestes infernos que o homem cria, onde ele se pode olhar como num espelho: “eis o que me tornei porque não aceitei que Deus habitasse em mim”. Feito para ser templo de Deus, se expulsa o seu Senhor, se proclama a “morte de Deus”, como alguns pensadores do século XIX e XX, ficam abertas as portas para as mais terríveis possibilidades. E é também porque as forças do mal não permanecem ociosas. Certa vez, um jornalista, para burlar-se da crença cristã ao respeito da existência objectiva de forças espirituais malignas, perguntou ao cardeal Lustiger se acreditava no diabo. E quando este respondeu que sim, ainda mais irónico o jornalista gracejou: “Ah, sim? Pois diga-me onde o vê?” Como se somente existisse o que podemos ver e tocar…Pois bem, o cardeal retorquiu: “Sim, eu vi o diabo nas câmaras de gás de Auschwitz”.

Mas o homem não é definitivamente um prisioneiro das forças do mal, porque Deus é misericórdia. Com efeito a misericórdia de Deus é a verdadeira liberdade do homem, o que lhe impede ser um boneco dos seus instintos e dos poderes malignos. Vemos essa misericórdia tocar o coração do filho pródigo, como um raio que vem de Deus e o leva a reflectir no meio das suas horas mais sombrias. “Quantos trabalhadores de meu pai têm pão em abundância, e eu aqui a morrer de fome! Vou-me embora, vou ter com meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra o Céu e contra ti. Já não mereço ser chamado teu filho, mas trata-me como um dos teus trabalhadores”.

Quão pouco conhecia o coração do próprio pai. Não admira que o tivesse abandonado…Como se o pai, ao seu regresso, pensaria em castigos ou em vinganças, como se não fosse capaz de perdoar. A justiça existe e é necessária. O mal que esse filho fez a si mesmo, ele terá de pagá-lo de alguma forma, pois não será fácil, depois de se ter dedicado aos vícios, reaprender a virtude. Existe a necessidade de purificação. Que responsabilidade existiria se nunca ninguém tivesse que pagar pelos próprios erros? E que classe de amor paterno seria este se não chamasse os filhos à responsabilidade? O amor não é real sem a justiça. Mas a misericórdia é largamente superior à justiça num autêntico coração paterno como o de Deus. Neste sentido, a parábola fala por si mesma:

“Disse-lhe o filho: ‘Pai, pequei contra o Céu e contra ti. Já não mereço ser chamado teu filho’. Mas o pai disse aos servos: ‘Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha. Ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei o vitelo gordo e matai-o. Comamos e festejemos, porque este meu filho estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado’. E começou a festa”.

Um último comentário. Como sabemos, a história não acaba aqui. Chega o momento da rebelião do filho mais velho. Chega a sua vez. Porquê? Porque se festeja o regresso do mais novo. Mais ainda: não se podia imaginar uma festa maior naquela casa. A prova é que se matou o vitelo gordo. O filho mais velho sentirá algo de inveja, certamente. Mas não é só isso. Há algo mais profundo. Também ele não compreende o coração do pai. O seu coração é fiel, cumpre, obedece, mas tudo é ainda muito exterior. Não chega a uma comunhão com o pai. Não chega ao amor maduro. De facto, em vez de se alegrar com o regresso do irmão mais novo, fica terrivelmente aborrecido ao ponto de já não querer entrar em casa. O filho mais novo abandonara a casa. Agora o filho mais velho fica plantado diante dela sem querer entrar. Bela imagem do que, no fundo, foi a sua vida até este momento.

Podemos ser às vezes um pouco como esse filho mais velho. Fazemos as nossas orações, cumprimos com a missa dominical, damos esmola, ou seja, cumprimos com os dez mandamentos. Mas será que somos como esse pai que vai com beijos ao encontro do filho que o traiu? Da a impressão que esse pai não sabe pensar na própria honra ferida. É como Cristo completamente nu, pregado a uma cruz. Não é indecente que Deus se preste isso? Não é demasiada humilhação? Não está Deus a perder credibilidade? Não. Está simplesmente a dar-nos uma grande lição de amor. A grande lição do amor. Depois disso, como diz São Bernardo, a medida do amor é amar sem medida.

Peçamos muito a Deus a graça de compreender com o coração essas coisas, que são tão afastadas do modo como o mundo entende a vida. Por isso, é tão necessário não se limitar a ler esta parábola, mas meditá-la sem pressa, no silêncio da oração, aí onde Deus nos dá lições magistrais de vida.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Domingo III da Quaresma, Ano C

LEITURA I Ex 3, 1-8a.13-15

«O que Se chama ‘Eu sou’ enviou-me a vós»

Leitura do Livro do Êxodo
Naqueles dias,
Moisés apascentava o rebanho de Jetro,
seu sogro, sacerdote de Madiã.
Ao levar o rebanho para além do deserto,
chegou ao monte de Deus, o Horeb.
Apareceu-lhe então o Anjo do Senhor
numa chama ardente, do meio de uma sarça.
Moisés olhou para a sarça, que estava a arder,
e viu que a sarça não se consumia.
Então disse Moisés: «Vou aproximar-me,
para ver tão assombroso espectáculo:
por que motivo não se consome a sarça?»
O Senhor viu que ele se aproximava para ver.
Então Deus chamou-o do meio da sarça:
«Moisés, Moisés!»
Ele respondeu: «Aqui estou!»
Continuou o Senhor:
«Não te aproximes daqui.
Tira as sandálias dos pés,
porque o lugar que pisas é terra sagrada».
E acrescentou: «Eu sou o Deus de teu pai,
Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacob».
Então Moisés cobriu o rosto,
com receio de olhar para Deus.
Disse-lhe o Senhor:
«Eu vi a situação miserável do meu povo no Egipto;
escutei o seu clamor provocado pelos opressores.
Conheço, pois, as suas angústias.
Desci para o libertar das mãos dos egípcios
e o levar deste país para uma terra boa e espaçosa,
onde corre leite e mel».
Moisés disse a Deus:
«Vou procurar os filhos de Israel e dizer-lhes:
‘O Deus de vossos pais enviou-me a vós’.
Mas se me perguntarem qual é o seu nome,
que hei-de responder-lhes?»
Disse Deus a Moisés:
«Eu sou ‘Aquele que sou’».
E prosseguiu:
«Assim falarás aos filhos de Israel:
O que Se chama ‘Eu sou’ enviou-me a vós».
Deus disse ainda a Moisés:
«Assim falarás aos filhos de Israel:
‘O Senhor, Deus de vossos pais,
Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacob,
enviou-me a vós.
Este é o meu nome para sempre,
assim Me invocareis de geração em geração’».
Palavra do Senhor.

LEITURA II 1 Cor 10, 1-6.10-12


A vida do povo com Moisés no deserto foi escrita para nos servir de exemplo

Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios
Irmãos:
Não quero que ignoreis
que os nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem,
passaram todos através do mar
e na nuvem e no mar,
receberam todos o baptismo de Moisés.
Todos comeram o mesmo alimento espiritual
e todos beberam a mesma bebida espiritual.
Bebiam de um rochedo espiritual que os acompanhava:
esse rochedo era Cristo.
Mas a maioria deles não agradou a Deus,
pois caíram mortos no deserto.
Esses factos aconteceram para nos servir de exemplo,
a fim de não cobiçarmos o mal,
como eles cobiçaram.
Não murmureis, como alguns deles murmuraram,
tendo perecido às mãos do Anjo exterminador.
Tudo isto lhes sucedia para servir de exemplo
e foi escrito para nos advertir,
a nós que chegámos ao fim dos tempos.
Portanto, quem julga estar de pé
tome cuidado para não cair.
Palavra do Senhor.

EVANGELHO Lc 13, 1-9


«Se não vos arrependerdes, morrereis do mesmo modo»

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

Naquele tempo,
vieram contar a Jesus
que Pilatos mandara derramar o sangue de certos galileus,
juntamente com o das vítimas que imolavam.
Jesus respondeu-lhes:
«Julgais que, por terem sofrido tal castigo,
esses galileus eram mais pecadores
do que todos os outros galileus?
Eu digo-vos que não.
E se não vos arrependerdes,
morrereis todos do mesmo modo.
E aqueles dezoito homens,
que a torre de Siloé, ao cair, atingiu e matou?
Julgais que eram mais culpados
do que todos os outros habitantes de Jerusalém?
Eu digo-vos que não.
E se não vos arrependerdes,
morrereis todos de modo semelhante.
Jesus disse então a seguinte parábola:
«Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha.
Foi procurar os frutos que nela houvesse,
mas não os encontrou.
Disse então ao vinhateiro:
‘Há três anos que venho procurar frutos nesta figueira
e não os encontro.
Deves cortá-la.
Porque há-de estar ela a ocupar inutilmente a terra?’
Mas o vinhateiro respondeu-lhe:
‘Senhor, deixa-a ficar ainda este ano,
que eu, entretanto, vou cavar-lhe em volta e deitar-lhe adubo.
Talvez venha a dar frutos.
Se não der, mandá-la-ás cortar no próximo ano».
Palavra da salvação.

Homilia Pe. Antoine Coelho, LC
Domingo III da Quaresma

A liturgia deste terceiro domingo de Quaresma oferece-nos uma passagem do Evangelho que interpela fortemente a nossa responsabilidade. Tudo começa com uma pergunta dos apóstolos a Cristo: não será que os galileus que foram massacrados por Pilatos, padeceram desta forma, porque eram mais pecadores que os outros?

Cristo insurge-se contra esta visão das coisas. O destino dos homens sobre a terra está ligado ao mistério da Vontade divina, cuja compreensão sempre estará fora do nosso alcance. Não a podemos interpretar de forma tão linear. De facto, parece ser que, recentemente, um pastor americano terá defendido que o terramoto em Haiti era fruto de práticas mágicas nesta ilha. Creio que o Evangelho de hoje nos dá a melhor resposta a este tipo de afirmações.

Mas Cristo não se limita a dar uma negativa. Chama a atenção dos apóstolos para o facto de que eles não devem perder o seu tempo a conjecturar se tal ou qual pessoa era pecadora, mas devem pensar na própria conversão. “Se não vos arrependerdes, morrereis todos do mesmo modo”. Madre Teresa de Calcutá costumava dizer que o tempo empregado em criticar uma pessoa, era tempo perdido para rezar por essa pessoa. Também recordava às suas religiosas que, quando criticávamos, perdíamos de vista que éramos os primeiros a necessitar do perdão de Deus. O trabalho por dominar a língua poderia ser um bom propósito para esta Quaresma. Às vezes, podemos pensar que o tipo de sacrifícios requeridos para este tempo de penitência é sobretudo físico. Não, antes pelo contrário. É o espírito que deve mudar. E mudando, muda todos os que o rodeiam.

Recentemente um jovem francês redigiu uma colectânea integrando grande parte dos apostolados que se fazem no seu país. Pelos vistos, não lhes falta imaginação aos católicos franceses, quando se trata de evangelizar, pois a lista era extensa. Entrevistado, perguntaram ao jovem, qual era na sua opinião o que transformaria de novo a França num país católico. Realmente, ele tinha visto e estudado muitos apostolados. Podia ter mencionado alguns deles, que tinham sido muito bem sucedidos. Mas não hesitou na resposta: o que transformará a França é a caridade dos católicos. Sim, o que transformará o mundo é o amor com que nos amemos uns aos outros.

Como é importante recordar que a nossa conversão diária ao cristianismo é uma conversão ao amor, a um amor que se deve viver da forma mais concreta no dia-a-dia. Só Deus saberá o que vale um simples sorriso quando o estado de ânimo é totalmente contrário! Mas seguramente valerá muito aos Seus olhos.

Cristo, como é costume, não se limita a dar aos apóstolos uma resposta teórica. Conta uma parábola. Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha. Depois de três anos, não dava ainda fruto, pelo que decidira já cortá-la. Mas aí intervém o vinhateiro: “Senhor, deixa-a ficar ainda este ano, que eu entretanto, vou cavar-lhe em volta e deitar-lhe adubo. Talvez venha a dar fruto. Se não der, mandá-la-ás cortar no próximo ano”.

A lição de Cristo situa-se a dois níveis nesta parábola. Em primeiro lugar, o tempo da conversão não é infinito, e, por isso, todos nós devemos buscá-la agora, hoje, dado que não sabemos o que sucederá amanhã. Na parábola, esperou-se três anos. O número “três” não é casual: indica plenitude. Já a conversão devia ter-se produzido se a pessoa, que a figueira simboliza, tivesse mostrado um mínimo de boa vontade. Ou seja, ela parece ter optado definitiva pelo egoísmo: o “pedaço de terra” que ela ocupa é só para ela, não produz frutos para os outros. Recusa o mundo no qual ela mesma está enraizada, um mundo criado para o amor, para a partilha, aproveitando a paciência e o amor dos outros somente para si. Por isso, não tem sentido que permaneça nele.

Na parábola, a figueira está aparentemente condenada, mas eis que surge o factor que pode dar a volta à situação, e aqui chegamos ao segundo ponto da lição. Aparece o vinhateiro que encarna uma atitude totalmente oposta à dos apóstolos, quando estes julgavam os galileus massacrados por Pilatos. Consideram estes galileus “de longe”, como se nada ou pouco os unisse a eles. Interessa-lhes o seu pecado, movidos pela curiosidade, como um estudioso se interessaria por um objecto que não o toca pessoalmente. Em poucas palavras, o seu coração ainda não foi transformado interiormente por Cristo.

O vinhateiro, pelo contrário, não tem tempo para este tipo de considerações teóricas ou de simples curiosidade: quer salvar a figueira. Sim, ela foi egoísta, mesquinha e não merece favores. Mas, o que ela merece ou deixa de merecer é-lhe absolutamente secundário: ela tem de ser salvada. Apenas isso conta para ele. É como uma mãe que não deixa de fazer tudo o que pode pelo filho, ainda que este seja o maior pecador do mundo. Por isso, o vinhateiro, que, no fundo, representa Cristo, encarna o modelo para toda conversão, encarna o homem para quem ninguém é indiferente, porque todos têm lugar no seu coração.

Existe assim um primeiro nível de conversão requerido, simbolizado pela figueira, a qual deve deixar de viver para si mesma e deve pôr-se a caminho sem hesitações. “O tempo é breve”, anunciava Cristo, quando pregava o Reino de Deus. “Convertam-se!” Sim, ainda que tenha anos de vida diante de si, o tempo do pecador é sempre demasiado curto para o nosso Deus, que, com entranhas de mãe, não pode sofrer vê-lo perdido para sempre.

Mas Cristo quer propor aos seus apóstolos um segundo nível de conversão. Trata-se do nível realmente cristão, porque é o nível de Cristo. Consiste em formar em si um coração misericordioso e generoso, desejoso ardentemente de conseguir a salvação dos irmãos. A conversão do homem não é plena, se não busca ardentemente a conversão do próximo em dificuldade. Mas não é um desejo vão ou inútil. Cristo diz-nos claramente nesta parábola que a acção do homem zeloso pode conseguir a salvação daquele que, de outro modo, estaria perdido.

Há algo mais importante que isso na vida: ser pescador de homens? E não se precisa vestir uma batina para sê-lo, está ao alcance de todo homem de boa vontade. Basta fazer tudo por amor, buscando a vontade de Deus em tudo, o que implicará não ter medo de anunciar a Palavra. Obviamente isso requer uma vida de oração, que nos permita conhecer, por “experiência interior”, o amor de Deus. Quem tenha sido tocado por esse fogo que nos seduz sentirá espontaneamente um desejo irresistível de ir ao encontro do próximo. O vinhateiro terá de cavar ao redor da figueira, deitar-lhe adubo, cuidá-la todo um ano. Se lhe perguntarem se todo esse trabalho lhe custa, talvez os mire com estranheza e lhes responda simplesmente: “Mas faço isso por amor”.

Rezemos muito uns pelos outros, para que esse amor divino seja a nossa experiência nesta Quaresma e não se limite a ser uma bela ideia, mas algo vivo e real, algo tão forte, que não podamos deixar de comunicá-lo. Como diz o profeta Jeremias ao respeito da Palavra de Deus, “havia em meu coração como um fogo devorador, encerrado em meus ossos e ainda que eu buscasse afogá-lo, não podia”.